Pelo segundo ano consecutivo, por causa da pandemia, blocos de carnaval não poderão fazer os tradicionais cortejos. Os desfiles nos sambódromo de São Paulo e do Rio de Janeiro foram adiados para abril.
Atividades econômicas relacionadas aos dias de folia movimentam cerca de R$ 8 bilhões em todo o Brasil. Sem poder sair, muitos trabalhadores perdem a fonte de renda.
Dificuldades econômicas — Periférico, o Bloco do Beco faz cortejos desde 2002 em ruas da zona sul de São Paulo. A presidenta Anabela Gonçalves conta que sem os desfiles as relações comunitárias são prejudicadas, porque a organização e a população local são muito integradas. Além do bloco, há uma associação cultural, que também sofreu na pandemia. As atividades presenciais foram suspensas, porque ações online não eram ideais para o público atendido. O que entrou na programação foi a entrega de cestas básicas, com protocolos de segurança.
Em Olinda (PE), o Afoxé Alafin Oyó tem enfrentado dificuldades econômicas. Maria Carolina Oliveira integra há quatro anos a percussão do tradicional bloco afro que existe há mais de três décadas. Ela chama atenção para a extensa cadeia produtiva do carnaval: “Vai de quem canta a quem produz, passa por quem costurou a roupa e quem vendeu os adereços”, diz. “A gente vive o carnaval, mas a gente também sobrevive dele.”
O grupo realizou algumas apresentações esporádicas nos últimos dois anos, mas não conseguiu organizar uma live que marcasse o carnaval de 2021, por exemplo. O respaldo do poder público, afirma Maria Carolina, é fundamental para manter vivas operações como as do Afoxé.
Anabela também acredita que a falta de subsídios do governo fez com que grupos de carnaval periféricos deixassem de atuar, o que compromete sua continuidade. Acrescenta ainda que falta reconhecimento para o trabalho no setor.
A alegria está triste — “Quando a gente está se preparando para fazer o xirê, cantar para os orixás, sente o calor do orixás, as pessoas batendo palmas, arrepia tudo”, conta Maria Carolina. No cenário pandêmico, porém, ela acha que seria “totalmente irresponsável” brigar para a festa acontecer.
Antes mesmo do cancelamento, o Bloco do Beco já havia decidido não fazer cortejo. Apesar dessa consciência, Anabela não esconde a tristeza. “É uma festa para todos, pública, sem ingresso, sem portão. É um ato simbólico de democratização da cultura e, para muitos jovens, o primeiro contato com ela.”
Festas pagas? — Diante dos riscos de contaminação no carnaval de rua, passou-se a discutir, como alternativa, festas fechadas com cobrança de ingresso e limitação de público.
“A partir do momento que eu cobro, faço uma seleção, faço um carnaval só para quem tem dinheiro”, diz Maria Carolina. Para a carnavalesca, seria uma opção se a entrada fosse grátis e o cachê dos artistas, garantido.
Anabela acredita que o cancelamento deveria ser geral, porque festas fechadas e desfiles em sambódromo também têm potencial de disseminação do vírus.
Ouvida pelo Expresso na Perifa, a médica Dania Abdel Rahman, infectologista do Hospital Albert Sabin, defende que neste momento o poder público deveria cancelar não só o carnaval de rua, mas também sambódromos, festas privadas e qualquer outra aglomeração. “As pessoas vão beber, namorar, não vão usar máscara e terão uma proximidade física muito grande”, diz a especialista.
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