Quem de nós não sonhou em ter um professor inspirador, descontraído, sábio, envolvente e que tratasse a gente como gente assim como Merlí, o protagonista da série catalã de mesmo nome que virou um dos maiores sucessos da Netflix? Em um outro filme mais antigo, Sociedade dos Poetas Mortos (1989), encontramos também o personagem John Keating, imortalizado por Robin Williams.
Ambos conquistam os alunos com uma pedagogia pouco ortodoxa e muito humana porque não se distanciam dos dilemas, das angústias e da realidade dos alunos. Os dois, cada um à sua maneira, dominam a arte de fazer os jovens pensarem por conta própria e os preparam para lidar com questões universais da nossa existência e da sociedade.
Não há nada mais importante para que os jovens aprendam do que ajudá-los a fazer conexões entre a vida real e o que é ensinado em sala de aula
Não há nada mais importante para que os jovens aprendam do que ajudá-los a fazer conexões entre a vida real e o que é ensinado em sala de aula. Por isso o aprendizado por projetos é grande tendência atual. Dessa forma, os alunos aprendem a partir da resolução de situações reais. No caso dos projetos, a partir de problemas cotidianos, surgem os questionamentos e, com eles, nas tentativas e nos erros, as soluções são criadas e as respostas aparecem.
As crianças e os jovens têm que aprender a questionar as coisas de maneira desafiadora e criativa, como fazem os filósofos, pensando por vários pontos de vista – e só então formar uma opinião, elaborar um argumento e defender uma ideia.
Muito tem se discutido, a partir da reforma do Ensino Médio, sobre a retirada do currículo da disciplina de Filosofia como matéria obrigatória para todos os alunos. Eu, sinceramente, não acho que isso seja o mais importante. Pois quem deve ter Filosofia na sua base de formação para poder dar uma boa aula é o professor. São eles que deveriam dominar os conceitos dos principais filósofos para instigar os alunos a pensar e até desafiar o raciocínio do próprio professor.
As crianças têm de aprender a questionar as coisas de maneira desafiadora e criativa, como fazem os filósofos, pensando por vários pontos de vista
Na ficção, Merlí faz isso de um jeito impecável. Para isso, relaciona temas cotidianos a uma escola filosófica ou a um grande pensador. É uma sacada fantástica. Afinal, a Filosofia é uma ferramenta para se discutir as grandes questões: a vida e a morte, a ética, a moral, a igualdade, a justiça, o amor, o individual e o coletivo, enfim, tudo o que nos faz humanos. Por meio dessas reflexões é que podemos encontrar maneiras de lidar melhor com as pessoas e nós mesmos e, dessa forma, evoluir.
O outro aspecto que faz de Merlí um professor adorável e um personagem memorável é o fato de ele ser de carne e osso. Inúmeras vezes ele se envolve em conflitos, tem dúvidas, vive amores fervorosos, enfim, mostra-se vulnerável como qualquer mortal. Este é outro ponto muito importante para um professor se aproximar do aluno: ser ele mesmo. A autoestima de um professor faz com que ele possa se mostrar para os alunos de forma transparente e verdadeira. Sem a pretensão de parecer um herói. Isso aproxima, ajuda a criar vínculo. Uma pessoa assim é muito mais cativante, envolvente e eficiente do que alguém que fica se protegendo o tempo todo e que quer ser colocado no pedestal. Por isso, eu defendo fortemente incluir no currículo de Pedagogia uma boa carga de conteúdos que levem o professor a se conhecer melhor.
Sei que o seriado da Netflix não é nenhuma uma novidade. Mas em tempos de debates sobre a reinvenção da escola e do professor, tanto no Brasil como no mundo, a série Merlí é certamente uma grande inspiração.
*Ana Maria Diniz preside o Conselho do Instituto Península, que mantém o Instituto Singularidades e atua na formação inicial e continuada de professores. É uma das fundadoras do movimento Todos Pela Educação e escreve para o site de Estadão.
Merlí é uma série catalã exibida em três temporadas pela Netflix. Ela conta a história de um professor de filosofia e seu trabalho com os alunos durante os três anos de ensino médio em uma escola pública de Barcelona.
Recentemente, o ator Carlos Cuevas, que interpreta Pol Rubio, disse em uma rede social que haverá um desdobramento de Merlí, um spin-off. O protagonista será Pol, na faculdade. A estreia é prevista para 2019 na Espanha.
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