Desde sempre a cultura hip-hop é protagonizada por mulheres que assumem lugares de liderança, comando, gestão. Mas a cultura patriarcal nos coloca como se não estivéssemos aqui. Existe invisibilização sobretudo das negras e das trans
Tamara Franklin, rapper mineira
Entrevista a Danny Mendes e Negona Dance, Lá da Favelinha, em Belo Horizonte
Em Minas Gerais, o hip-hop é uma potência. A capital Belo Horizonte sedia a maior batalha de freestyle de rap do País, que reúne os melhores MCs de cada estado. O Duelo de MCs Nacional surgiu em 2012 com a expansão do Duelo de MCs realizado pela Família de Rua desde 2007, no Viaduto Santa Tereza.
Tendo a luta como uma das suas principais características, o movimento hip-hop ecoa os gritos das ruas, da periferia, de uma juventude inquieta que busca romper com as desigualdades e ser ouvida, em sua rima e poesia. Embora o movimento possa parecer predominantemente masculina, as mulheres sempre estiveram presentes em suas expressões — mas, também no hip-hop, elas costumam ser invisibilizadas pelo machismo enraizado na sociedade.
Sobre esse e outros temas o Expresso na Perifa conversou com um dos nomes mais reconhecidos e talentosos do rap, uma expoente nacional. Mineira de Ribeirão das Neves, em 2020 a MC Tamara Franklin lançou seu segundo álbum: Fugio – Rotas de Fuga para o Aquilombamento.
Danny Mendes: Minas Gerais se destaca no hip-hop nacional e diversas mulheres compõem esse cenário, mas ainda há uma invisibilização. Como você vê isso?
Desde sempre a cultura hip-hop é protagonizada por mulheres que assumem lugares de liderança, comando, gestão. Mas a cultura patriarcal ofusca o lugar dessas mulheres, nos coloca como se não estivéssemos aqui. Existe invisibilização sobretudo das negras e das trans. A partir do momento que começarmos a nos voltar pra verdadeira agenda hip-hop, que é de igualdade, equidade, contracultura e questionamento do patriarcado, acho que as mulheres terão seus lugares mais valorizados.
Negona Dance: Esse ponto é muito interessante, em quais mulheres você se inspira?
A começar do meu ciclo familiar, mãe, irmã, sobrinha, primas, tias. Me espelho em todas. Na literatura, Chimamanda [Ngozi Adichie], Marimba Ani, Katiúscia Ribeiro e outras. Na música, Lauryn Hill, Aretha Franklin, Nina Simone, Queen Latifah e Margareth Menezes. E daqui, da nossa cena, Lana Black, Ohana, Berê, Ynaê, Inza e Iza Sabino, que além de inspirar dão suporte, apoio espiritual, artístico e psicológico.
DM: Algumas eu conheço. Outras vou procurar na internet. Falando nisso, uma resposta sua para a música Se eu Largar o Freio teve bastante repercussão… [canção de Carlos Caetano interpretada pelo cantor e sambista Péricles tem versos como “A pia tá cheia de louça/o banheiro parece que é de botequim/a roupa toda amarrotada/e você nem parece que gosta de mim”]
Sim, é uma música da qual eu gosto. Pode soar controverso. Gosto da música, da harmonia, da história, do argumento e, ao mesmo tempo, eu critico. É uma música que revela algo que é do cotidiano, sabe? E nessa minha crítica eu pensava: poxa, cadê essa mulher que não fala nada? Eu imaginava um contexto, uma quebrada e não é tão fácil assim chegar e dar essa ideia em algumas minas, e aí eu já imaginei esse posicionamento dela: Opa! Pera lá, eu também trabalho! E me baseei em experiências pessoais minhas, eu já tive esse tipo de cobrança da vida doméstica. Não sei o que inspirou o compositor, eu nunca tive oportunidade de bater essa bola, mas na minha cabeça foi isso, dar voz para essa mulher, ouvir o argumento dela nessa discussão. Assim nasceu Para que Tá Feio, que seria a resposta. Eu compus pensando em cantar em um festival.
ND: Quem é essa artista múltipla e inspiradora chamada Tamara Franklin?
Sou uma mulher sensível. Gosto de começar falando da sensibilidade. As pessoas me vêem com uma força muito grande, mas é importante falar da afetividade de uma mulher preta. De um lugar que toca a arte. Eu me encontrei com a arte através da cultura hip-hop, e tenho a cultura hip-hop como estilo de vida. É minha maneira de me expressar e me posicionar, ponto de partida pro meu olhar pra esse mundo, é onde eu estou — mais especificamente na cultura hip-hop de Ribeirão das Neves, Minas Gerais, no século 21, exatamente no ano de 2021. Tô localizada nesse lugar. Sou filha de Dona Bete com Seu Marcos e isso diz de quem eu sou.
TAMARA POR TAMARA
Sou comprometida com o poder da palavra e a maneira que essa palavra tem pra potencializar vidas
A primeira vez ouvi um rap foi Mágico de Oz, do Racionais. Eu tinha 6 anos e aquilo falou forte comigo
Comecei a castelar que o que eu fazia com as rimas podia ser rap. Eu tinha 7, 8 anos
Na carreira solo, lancei em 2015 o disco Anônima e em 2020 o Fugio. Esse particularmente é resultado de uma pesquisa sobre o reinado de Nossa Senhora do Congado e na intenção de congregar ele com o rap
SOBRE ROTAS E FUGAS Na época do lançamento, em setembro de 2020, Tamara Franklin contou na Rádio Educativa UFMG que o título do álbum Fugio - Rotas de Fuga para o Aquilombamento relaciona a fuga, que era uma forma a resistência de negras e negros escravizados na época da colônia, com as muitas fugas às quais a população negra, em especial a juventude, recorre para resistir ao racismo estrutural atualmente. "A proposta musical é trazer um ritmo contemporâneo, o rap, misturado ao reinado de Nossa Senhora do Congado, uma cultura preta ancestral tão presente na cultura mineira", disse a artista
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