Trinta quilômetros ao sul do centro de São Paulo, no bairro do Grajaú, o educador social Weslley Silva ficou sensibilizado ao perceber muitas crianças e adolescentes nas ruas, praças e quadras da região. Era maio de 2020, em plena pandemia. Weslley sabia que aquela população não deveria estar fora da escola e tão vulnerável à Covid-19. Na tentativa de ajudar, ele se juntou aos demais companheiros do coletivo O Corre e criou o Livro pra Colorir, Repintar, Repensar e Recriar. Meses depois, a convite do Sesc, nasceu O Inimigo Invisível, uma história em quadrinhos.
No último sábado, dia 27 de novembro, a publicação ganhou o troféu HQMIX, na 33ª edição do prêmio considerado o Oscar de HQs no Brasil. A seleção final foi feita por uma banca do júri oficial, que trabalhou por quatro meses na análise dos inscritos nas diversas categorias. Também votaram mais de dois mil profissionais da área, entre autores e editores. Eles formam o júri nacional. O O Corre disputava os prêmios de melhor produção infantojuvenil e pandêmica.
A história dentro da história — O protagonista de O Inimigo Invisível é Jonas, um garoto da periferia que, entediado no ensino remoto, pensa no coronavírus enquanto observa a sujeira de sua borracha. O menino cria um enredo imaginário em que o vírus faz o papel de vilão e sua irmã, Joana, vive a heroína que luta no bairro para afastar o risco. O cotidiano periférico na pandemia é visto pelo olhares dos dois irmãos que, na jornada, se dão conta da importância da prevenção para cuidar de si e do coletivo.
Weslley conta que a ideia surgiu da falta de políticas pensadas para crianças e adolescentes na crise sanitária. “Crianças ficaram descobertas, não tiveram as atividades. Foi criado um sistema de atividades remotas, onde a periferia já é totalmente descoberta, sem acesso à rede móvel e à internet como um todo”, diz. Os materiais oferecidos pelas escolas não atraíram os estudantes e não mostraram o cenário de modo simples, afirma o educador. “Faltou uma linguagem voltada às crianças das periferias pensando na faixa etária. Os materiais que tinham eram com gráficos, bastante científico que afastava o interesse.”
O valor da conscientização — A equipe montada para o projeto envolveu artistas visuais, psicóloga e profissionais de marketing. Além da HQ, o grupo promoveu ações de conscientização e divulgação científica para essa população, como a distribuição de máscaras de colorir, tinta guache e álcool em gel em regiões como Jardim Gaivotas, Jardim Reimberg e Cocaia, periferias de São Paulo — 85% das entregas foram feitas em mãos para crianças e adolescentes nas periferias. Parceiro do projeto, o Sesc também levou o material para famílias atendidas no Mesa Brasil, rede nacional de bancos de alimentos contra a fome e o desperdício.
Nas palavras de Weslley, o retorno do projeto foi a conscientização e deu certo. “A gente atingiu o objetivo, principalmente com as crianças e adolescentes sobre a pandemia e o senso de comunidade”, comenta. “Muita gente usou o material como material pedagógico. Chegaram convites para usar a HQ física e virtual em outros estados também.”
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