Passar horas em casa vendo séries é um dos prazeres do mundo contemporâneo. Em um primeiro momento, quando começamos a assistir, é questão de pegar ou largar – mas o que acontece se a gente simplesmente não consegue e não quer largar? Veja o que dizem esses dois especialistas ouvidos pelo Estadão.
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O conteúdo sob demanda mudou a nossa vida para melhor. Dá para assistir na sala de espera, no trânsito (se não estiver dirigindo, claro) e no chuveiro. Temos acesso a produções de tudo quanto é canto e nos mais variados interesses. Isso é bom: diversão, repertório, entretenimento, reflexão. Mas não é só. Os serviços de streaming ajudaram a impulsionar o hábito da maratona que, difícil negar, é uma ideia tentadora diante de outras possibilidades como ter de ir ao mercado, ao banco, ou lavar a louça…
“Se é algo muito angustiante, aflitivo, perturbador, a pessoa pode abandonar. Ou pode considerar que a série é fraca. Vai depender de cada um”, diz o psicanalista Cláudio Castelo Filho. Para quem não conseguem largar, porém, a análise é mais profunda. A compulsão é uma marca da sociedade atual. A infinidade de estímulos que recebemos e a facilidade de acesso a diversos mundos nos motivam, muitas vezes, a trocar a leitura mais densa de um livro por um vídeo curto no celular ou tablet. “Hoje, temos à mão uma infinidade de filmes, séries, histórias. E o ser humano gosta de histórias. Criamos empatia com os personagens”, analisa a psicanalista Glaucia Leal, editora da Revista Mente e Cérebro.
Ela acrescenta: “Nos identificamos tanto com aquilo que é igual, que nos seduz, quanto com aquilo que nos provoca, que é diferente, que a gente nunca vai viver. Essa atração é da ordem da fantasia e muitas vezes nos tira de uma vida sem graça, com problemas a serem resolvidos”. Gláucia diz que indivíduos com traços de depressão podem ser os mais vulneráveis à fuga da realidade, outra característica importante do indivíduo deste século.
O sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) trouxe a definição “modernidade líquida” para expressar o quanto as pessoas tendem a ter relações menos frequentes e menos duradouras. E isso pode ser projetado para a infinidade de possibilidades oferecidas pelos canais de streaming.
Nos identificamos tanto com aquilo que é igual, que nos seduz, quanto com aquilo que nos provoca, que é diferente, que a gente nunca vai viver
Glaucia Leal, psicanalistaEsse comportamento [a compulsão por séries] prejudica nossa autonomia. A facilidade que temos de passar de um universo para o outro com um só clique, quando em excesso, nos tira da condição de protagonistas da nossa história
idemQuando isso [ver séries sem parar] se torna excessivo, começa a atrapalhar as outras funções da vida. Isso pode ser sinal de algum problema, como uma pessoa que fica adicta em jogos, drogas etc.
Cláudio Castelo Filho, psicanalista
MÉDIA MUNDIAL*
Duas horas por dia = tempo médio que um assinante assiste até acabar de ver uma série
AS SÉRIES MAIS VISTAS*
No Brasil = Better Call Saul, The Walking Dead, The Killing e Prison Break
*dados da Netflix sobre as séries mais vistas na plataforma, no mundo