O ano era 1992 e nossas antecessoras se aquilombavam para discutir sobre os diversos tipos de violência que as acometiam. Naquele 25 de julho, ocorreu o Primeiro Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-caribenhas, em Santo Domingo, na República Dominicana. A partir daquela reunião, formou-se uma rede de mulheres negras que priorizam as lutas de raça e de gênero.
Samara Oliveira é jornalista e colaboradora do PerifaConnection, no Rio de Janeiro
O grupo se uniu à Organização das Nações Unidas (ONU) e batalhou para o reconhecimento da data como o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, que, além de ser um momento de celebração, mantém viva a memória de resistência.
No Brasil, a então presidenta Dilma Rousseff sancionaria, em 2014, o dia 25 de julho como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Tereza de Benguela foi uma líder do Quilombo do Piolho, no estado do Mato Grosso. O grupo, chefiado por ela de 1750 a 1770, foi o maior da região, abrigando mais de 100 pessoas negras e indígenas.
O que nós, mulheres negras da atualidade, conseguimos aprender olhando para todo esse legado? Primeiro é importante enfatizar a frase criada coletivamente por movimentos sociorraciais: nossos passos vêm de longe. Devemos dar continuidade a todas as ações de mulheres pretas que vieram antes de nós.
É importante enfatizar a frase criada coletivamente: nossos passos vêm de longe. Devemos dar continuidade às ações de mulheres pretas que vieram antes de nós
Os dados mais recentes divulgados pelo Dossiê Mulher, do Instituto de Segurança Pública (ISP), mostram que nós, mulheres negras, somamos cerca de 70% das vítimas de feminicídio.
O Monitor da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher no Período do Isolamento Social, também divulgado pelo ISP, apurou que mais de 50% das vítimas de violência doméstica, violações sexuais e estupro de vulnerável também são negras.
Nós devemos comemorar a vida, as conquistas e os espaços de poder que ocupamos durante nossa trajetória individual, mas não há como ignorar esses números, que são formados por rostos, cor de pele, gênero e classe social. Somos alvo da violência em todas as esferas e possibilidades. Por isso, convido as leitoras a refletir se suas conquistas individuais trazem benesses ao coletivo enquanto povo preto, especialmente às mulheres pretas.
Nossas ancestrais, as mulheres pretas que conquistaram sua liberdade, voltavam para resgatar mais integrantes e formar seu quilombo e por isso é tão importante revisitar o passado — como nos ensina o símbolo sankofa [retornar ao passado, ressignificar o presente, construir o futuro], que faz parte do conjunto de ideogramas adinkra. Temos no passado referências de mulheres pretas como a própria Tereza de Benguela, Dandara dos Palmares, Anastácia e Luíza Mahín, entre outras milhões de nós que guerreavam em prol do coletivo. Elas que, como tantas outras, foram apagadas da história e nem sequer mencionadas nas escolas durante nosso ensino médio ou fundamental.
Mulheres pretas como Tereza de Benguela, Dandara dos Palmares, Anastácia e Luíza Mahín guerreavam em prol do coletivo e foram apagadas da história
Estamos aqui para resgatar essas memórias e continuar na luta para que mais de nós tenhamos acesso a direitos básicos que ainda nos tempos atuais são negados. Muitas de nós ainda não têm o acesso à educação, à saúde e ao conhecimento de nossa própria história. É nesse contexto que se identifica a importância do chamado de Lélia Gonzalez: organização já.
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