Moradora do Jardim Almanara, Brasilândia, zona norte de São Paulo, a ativista de 25 anos Amanda da Cruz Costa é um dos principais nomes quando o assunto é a discussão ambiental nas periferias. Enchentes nos bairros, falta de saneamento básico, más condições de moradia, conservação de áreas verdes e de espaços de fauna e flora nativa, além das aldeias indígenas na cidade, são alguns temas pautados por ela nas conversas. Para encaminhar os debates, mostrar parte do trabalho e mobilizar juventudes em prol de uma nova agenda de desenvolvimento para o Brasil, a partir do “olhar mais justo, racial e ambiental”, ela também criou o Instituto Perifa Sustentável.
Em 2017, Amanda ganhou bolsa para representar os jovens brasileiros na Conferência do Clima da ONU, a COP 23, que ocorreu em Bonn, na Alemanha. Foi um espaço importante para ampliar questões, sobretudo no que diz respeito à falta de pessoas negras e das periferias na discussão sobre o meio ambiente.
A COP é o encontro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e anualmente reúne líderes de vários países. O objetivo é debater, propor e encontrar soluções para os problemas ambientais que afetam o planeta, além de negociar acordos em conjunto. Neste ano, a COP 26 ocorre em Glasgow, na Escócia. Vai até o dia 12 de novembro. Amanda está lá e, direto da conferência, falou com o Expresso na Perifa.
Como surgiu seu interesse pela questão ambiental no contexto da periferia?
É o lugar em que eu acredito que a mudança vai partir. A mudança virá das periferias. Enxergar as periferias no cenário internacional é um dos meus objetivos para demarcar essa posição de decolonizada, periférica e feminista que eu trago para esse espaço.
Estou aqui sob o chapéu de algumas organizações, entre elas o Perifa Sustentável, que faz parte da Coalizão Negra por Direitos. O primeiro objetivo é levar posições políticas e mostrar para o mundo o que está acontecendo no Brasil ou seja, genocídio, ecocídio, desmonte de políticas públicas, flexibilização da agenda ambiental, ataque às populações tradicionais, povos quilombolas e indígenas e o silenciamento de lideranças que se posicionam contra esse governo. É necessário, sim, contar para o mundo o que está acontecendo e trazer posições políticas.
Outra coisa é fazer parcerias sul a sul [A Cooperação Sul-Sul é definida pelas Nações Unidas como um processo em que dois ou mais países em desenvolvimento buscam atingir objetivos comuns ou individuais por meio do intercâmbio de experiências, conhecimentos, habilidades e recursos]. A mídia internacional e a mídia nacional acabam focando muitas vezes na narrativa das grandes dos grandes países, como Estados Unidos, China e Rússia, o que estão falando e se posicionando, mas isso é apenas uma das coisas que estão acontecendo. Existem diversos tipos de narrativas e encontrar essas parcerias do Sul é entender como que eu estou me posicionando e quais são os países da América Latina e do continente africano ou asiático que estão propondo soluções para esse debate.
Acredito na visão decolonizada, a partir de uma ótica minha, enquanto jovem mulher preta que está na base da pirâmide social e que enxerga o mundo a partir de uma outra lógica de uma outra
No evento, quais são os seus objetivos? O que te levou à COP?
Decidi embarcar nessa aventura e, uma vez ocupando esse espaço, percebi que ele é protagonizado por apenas um tipo de pessoa, são os homens brancos e velhos, que acabam dominando a narrativa e não abrindo espaço para a diversidade. Quero que mais pessoas de periferia, quebrada, contexto periférico, suburbanas e que pertencem a grupos vulnerabilizados possam se apropriar desse discurso e falar com propriedade do domínio e sustentar algo que já está impactando a vida da galera de quebrada.
Qual a importância de uma menina negra, moradora da periferia, estar na COP?
A minha participação aqui reflete uma transformação na lógica heteronormativa, capitalista, branca e dominante. Digo isso porque antigamente esses espaços eram ocupados por apenas uma parcela da população, de homens brancos, héteros e velhos que sustentavam um tipo de debate, mas existem múltiplas vozes. Se a gente quer encontrar soluções inovadoras, precisamos escutar essas vozes e entender esse contexto.
A minha participação aqui [na COP 26] reflete uma transformação na lógica heteronormativa, capitalista, branca e dominante
Como mulher negra, a minha narrativa foi apagada por muitos séculos. Ela foi excluída, silenciada, estereotipada e foi oprimida em diversos sentidos.
O que me traz aqui é a possibilidade de criar uma nova narrativa e criar novas possibilidades de encontrar soluções a partir da ética do global e do periférico que podem, de fato, mobilizar; se não tiver isso, caminharemos para uma extinção
Tem algum exemplo que funciona em algum lugar do mundo que poderia ser replicado em nossas periferias?
Um amigo meu do Paquistão criou um projeto sobre empoderamento climático, principalmente na questão da primeira infância. Então, como desenvolver um programa para capacitar esses jovens e chegar nas escolas, levantar esse debate e olhar para crise climática a partir de um debate interseccional? Como que clima fala com geografia? Como que o clima fala com matemática? Como que o clima fala com inglês? Como que o clima fala com as diversas matérias? Ele criou um programa de formação de jovens e depois fez algo de mão na massa, plantando árvores. Imagina a comunidade também participar desse processo para que não seja algo apenas das crianças, mas seja algo que transforme o contexto local.
Que políticas públicas você acha que devem ser colocadas em prática para que as periferias sejam sustentáveis?
Não dá para falar disso na periferia sem falar de água limpa e saneamento básico. Infelizmente, no Brasil, apenas 50% da população tem acesso a saneamento básico. Isso é uma opressão se a gente for analisar a partir de uma perspectiva estrutural. Quando você não garante os direitos mínimos para que uma comunidade sobreviva você está tirando o direito de existência das pessoas. Então, quando a gente pensa em políticas públicas, é imprescindível que o mínimo de direitos sejam colocados. Uma política que, para mim, sustenta muito forte essa narrativa de crise climática, combate ao aquecimento global e promoção do desenvolvimento sustentável. Além disso, [é preciso] mobilizar outros jovens para também fazer parte dessa solução.
Pensar em educação climática e pensar na garantia dos direitos básicos são políticas públicas fundamentais para que a gente consiga transformar o que a gente está vendo hoje no nosso país
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Visão extremamente valiosa para a conscientização de um meio ambiente sustentável!!💚🌱🌎