Eu sempre tive muita consciência da exclusão digital nas favelas. Moro no bairro periférico Vila São João, em São João de Meriti, região metropolitana do Rio de Janeiro. Aqui a internet chega em alguns pontos, mas o preço muitas vezes me impediu de enviar trabalhos para a faculdade.
Em 2016, por exemplo, escrevi as mais de 50 páginas do trabalho de conclusão de curso na própria universidade. Em 2021, consegui comprar meu primeiro computador com a ajuda financeira do governo no Auxílio Emergencial.
Fazendo parte do cotidiano e com o potencial de promover uma sociedade mais democrática, a internet é necessária e o acesso ruim prejudica as periferias — onde as redes tendem a ser instáveis.
Quem nunca desembarcou de um transporte público em áreas centrais da cidade e notou que a qualidade do sinal de internet no celular melhorou? Nas comunidades periféricas, é o contrário.
Uma pesquisa do Instituto Locomotiva revelou que 30% dos moradores de favelas brasileiras desaprovam a qualidade do serviço de internet móvel 3G e 4G. Dos entrevistados 13% não têm internet em casa. Em 43% das favelas, o acesso, de modo geral, é ruim.
Internet para todos (que têm CEP) — Desde 2018, o governo federal mantém um programa chamado Internet para Todos, que promete garantir cobertura banda larga via satélite a territórios periféricos por um valor possível para as famílias — não é de graça. Custa, em média, R$ 60. À época do lançamento, foram investidos R$ 3 bilhões — a proposta é apoiar as prefeituras na inclusão digital. As cidades se inscrevem, dizem onde precisam do acesso e os moradores podem procurar planos que caibam em seu bolso. Em teoria, por meio do CEP, dá para consultar onde tem Internet para Todos.
Acontece que em muitas favelas e periferias espalhadas pelo Brasil o CEP ou não existe ou não é encontrado. Se a pessoa não comprova endereço, não tem direito a internet. E internet é um direito. Como é possível elaborar uma política pública de inclusão digital que não pense nas casas sem numeração?
Desde 2011, a Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que a internet é um direito humano
A Constituição Federal diz que “todo poder emana do povo”. Partindo desse princípio, quem elabora as leis precisa escutar quem vive, diariamente, a exclusão tecnológica. Do contrário, para muita gente, a saída para se conectar ao mundo ainda vai ser o gato de internet. A ligação clandestina. E não se trata aqui de defender o gato, e sim ressaltar que a origem do problema precisa ser encarada.
A desigualdade digital também se expressa no poder de compra (ou na falta dele) de aparelhos celulares, computadores ou tablets. Por causa do preço, muitas famílias acabam compartilhando celulares para quase tudo. A pesquisa Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros (2020), publicada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação mostra que 90% das pessoas da classes D e E acessam a internet exclusivamente pelo celular, seguido de 58% da classe C.
A gente se ajuda — Na ausência de soluções concretas para a exclusão que prejudica a qualidade de vida e o desenvolvimento da população pobre, há iniciativas comunitárias surgindo juntamente onde vivem os mais afetados por esses problemas. Gente que se organiza para mudar o cenário ao redor.
Um exemplo é a Amac — Mulheres de Atitude e Compromisso Social (Amac Atitudes), em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. A organização sem fiz lucrativos fica na favela Dique da Vila Alzira e apoia mães e filhos na busca por conexão de qualidade. Quando a Amac precisou se mobilizar para ajudar crianças e adolescentes no estudo virtual, a rede Gerando Falcões doou vinte aparelhos celulares para as famílias participantes das atividades da associação. Sem nenhum tipo de ajuda pública.
Em 2022, ano eleitoral, precisamos pegar um caminho possível para enfrentar desigualdades sociais, raciais, econômicas e tecnológicas. O caminho de políticas públicas atentas ao cotidiano da população.
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