No último dia 30 de janeiro, Rodrigo Oliveira, empresário e presidente do grupo GR6, fez uma publicação em sua rede social anunciando uma parceria com o prefeito do município de São Paulo, Ricardo Nunes, onde a proposta desta ação é reformar 40 quadras poliesportivas em diversos pontos das periferias da cidade de São Paulo, realizando festas de reinauguração desses espaços com a presença dos artistas de funk agenciados pela produtora GR6.
Fazendo uma breve análise política da atual gestão da Prefeitura de São Paulo, é perceptível que a prática de “gestão compartilhada” na governabilidade de Nunes é algo muito conveniente, pois a falha tentativa de privatização das Casas de Culturas Municipais foi algo que deixou em evidência o interesse de Nunes em compartilhar a gestão de espaços culturais que historicamente tiveram a gestão de funcionários públicos. Considerando tal fato, podemos compreender a aproximação repentina de Ricardo Nunes com o empresariado do funk, uma vez que Rodrigo é presidente da empresa GR6, considerada uma das maiores produtoras de funk do país e responsável por agenciar grande parte dos principais MCs de funk do cenário brasileiro.
Pensando no conceito de política pública, que se refere ao desenvolvimento de um projeto ou ação realizada pelo governo e custeada pelos cofres públicos para o povo, é fundamental que a gestão de Ricardo Nunes dialogue com o movimento funk para a construção de projetos de lei a partir dos interesses da juventude desta cultura, pois somente a reforma de quadras poliesportivas não será suficiente para atender as demandas sociais da massa funkeira.
É importante ressaltar que o movimento funk é integrado por jovens periféricos que vivem os inúmeros bailes de favela espalhados pela cidade, pois são os MCs, dançarinos, DJs, vendedores de produtos alimentícios e bebidas, frequentadores do baile em geral que mantêm essa cultura viva nas ruas. São essas pessoas que precisam ser ouvidas para a elaboração de políticas públicas direcionadas à cultura funk.
Compreendendo o que de fato é uma política pública e considerando essa parceria como uma tentativa de construir algo parecido, convido você, caro leitor, a refletir sobre uma questão muito importante: qual será o impacto de uma política pública desenvolvida em parceria com empresas privadas para o movimento funk? Será que as políticas públicas construídas em parceria com grupos empresariais atendem às necessidades constitucionais da juventude que compõe tal movimento?
A partir dessas provocações, podemos seguir com esse assunto considerando o principal ponto de partida da democracia: a Constituição Federal. Segundo a legislação brasileira, sob a lei de nº 12.852, assinada no dia 5 de agosto de 2013 pela ex-presidenta Dilma Rousseff, foi instituído o Estatuto da Juventude que garante os direitos civis dos jovens, assegurando a participação social e os princípios e diretrizes das políticas públicas direcionadas à juventude.
Analisando o Estatuto da Juventude, podemos encontrar as diretrizes gerais deste decreto, pois o art. 3º determina a inserção social do jovem nas práticas políticas, promovendo programas que priorizam o desenvolvimento integral e a participação ativa nos espaços decisórios. Já no art. 4º, o estatuto garante a participação da juventude a partir do envolvimento ativo dos jovens em ações de políticas públicas que tenham por objetivo o próprio benefício, o de sua comunidade, cidades e regiões do país. Quando nos deparamos com a aproximação repentina de representantes do poder público com grandes empresários do funk às vésperas das eleições municipais, automaticamente identificamos o que há de mais antiquado na velha política paulistana: a parceria entre empresa privada e prefeitura para a realização de projetos sociais com execução a curto prazo, com intuito de projetar uma falsa imagem política para cativar possíveis votos em busca da reeleição. Essa velha política vem assombrando a nova geração da juventude periférica, protagonista de um fenômeno cultural que vem crescendo gradativamente nas ruas de São Paulo nos últimos 20 anos.
De forma muito inesperada e minuciosa, a Secretaria Municipal de Cultura criou um Núcleo de Coordenação de Políticas Públicas para o Funk, que teve seu lançamento em outubro de 2023, mas até o momento não desenvolveu nenhuma ação política efetiva direcionada para o movimento funk.
Finalizo este texto trazendo a seguinte provocação feita pela administradora pública Thayna Gutierrez em suas redes sociais: qual é o sentido de criar uma coordenação de políticas públicas para o funk faltando meses para a finalização do mandato de Ricardo Nunes, se não for para conquistar votos do movimento funk? Houve algum diálogo com o movimento funk para entender como seria a construção dessa política pública estabelecida pela Secretaria Municipal de Cultura?
A juventude periférica quer construir diálogo com o poder público para desenvolver ações culturais, sociais e políticas a partir das reais demandas do funk, pois a história da política paulistana comprova que os interesses de empresas privadas são bem distintos dos interesses da sociedade civil.
Renata Prado é formada em Pedagogia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Idealizadora e Articuladora Nacional da Frente Nacional de Mulheres no Funk, Dançarina/coreógrafa e Professora de Funk, idealizadora do projeto Academia do Funk e ativista da organização política Coalizão Negra Por Direitos.
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