A partir do dia 1º de janeiro de 2024, as tarifas das linhas de trem e metrô em São Paulo aumentarão de R$ 4,40 para R$ 5. Percentualmente, a elevação de 13,64% é a maior desde 2015, quando a passagem foi de R$ 3 para R$ 3,50, um crescimento de 16,67%. O reajuste mais recente aconteceu em 2020, quando o preço subiu de R$ 4,30 para R$ 4,40.
O efeito do aumento do governo paulista, a médio e longo prazo, já é calculado por quem utiliza esse tipo de transporte nas periferias da cidade. O coordenador comercial Danilo Viegas, 39, mora ao lado da Estação Capão Redondo, no extremo sul da cidade, e utiliza uma linha até a Brigadeiro, onde desembarca para o trabalho.
Com o aumento, serão R$ 24 a mais no orçamento familiar. “O valor parece irrisório, mas se você pensar que esse é o preço de um saco de arroz, dependendo da família, é uma situação muito difícil e a longo prazo sentiremos bastante a diferença. Moro com minha mãe e meu irmão e nós três usamos condução todos os dias. Fizemos um cálculo e no final do ano serão quase R$ 900 de diferença”, diz.
A situação é semelhante à vivida pelo desinsetizador Carlos Junior, 44, que sai de Guaianases, na zona leste, e utiliza dois ônibus, um trem e um metrô para chegar ao trabalho. Ele já faz os cálculos para saber como custear as demandas familiares que serão multiplicadas por três.
“Com certeza é um dinheiro que vai fazer falta em casa, pois minha filha também usa condução, minha esposa. Se somar tudo vai prejudicar muito o orçamento pois o salário não aumentou”, pondera.
Também moradora da zona leste paulistana, a auxiliar de serviços gerais, Vanda Mendes, 55, sai de São Miguel Paulista e diariamente embarca em quatro conduções, entre ônibus e metrô, para trabalhar.
“Se aumentar, nem sempre poderemos ir de metrô e a opção será o terminal. Aí o impacto não é só para mim, mas para todos. Os ônibus ficarão mais lotados e a qualidade de vida vai piorar, porque vai ter de sair mais cedo, chegará mais tarde, dormirá menos e isso prejudica nossa saúde física e mental”, pontua.
Para onde vai o dinheiro? – De acordo com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), a justificativa para o reajuste é a de ampliar a qualidade do serviço a partir da manutenção dos investimentos e do repasse às empresas privadas. Porém, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) discorda dessa avaliação.
Coordenador do Programa de Mobilidade Urbana da instituição, Rafael Calabria, aponta que o resultado será diferente. Com o aumento, metrô e trens tendem a perder passageiros e consequentemente, arrecadação.
“Várias cidades já debateram isso, aumentar a tarifa não resolve o desequilíbrio nas contas. O governador Tarcísio está desatualizado nesse assunto, isso vai agravar a crise no setor e precisa se buscar outras fontes que garantam o transporte de alta qualidade sem aumentar a passagem”, defende.
Em 2019, uma pesquisa da Rede Nossa Paulo apontou que 50% das pessoas deixavam de visitar amigos ou familiares por conta do preço da passagem, enquanto 45% optavam por não fazer uso de opções de lazer como parques e cinema. Também chama a atenção o índice de pessoas que abriram mão de ir a consultas médicas (40%) e que deixaram de procurar emprego (37%).
Calabria ressalta ainda que o aumento pode fazer com que muitas pessoas migrem para as linhas de ônibus como alternativa para baratear o transporte. Além de ser mais um fator para derrubar a arrecadação do transporte sobre trilhos, a opção pode também sobrecarregar esse modelo de transporte.
Desde o último domingo (17), a cidade de São Paulo se juntou a outras 67 cidades do Brasil que já aplicam a tarifa zero nas passagens de ônibus. No caso da capital paulista, a gratuidade vale apenas aos domingos.
Investimento – Operador de trem que ingressou na CPTM por meio de concurso público, Marcelo* convive diariamente com a realidade sobre trilhos na capital paulista. Segundo ele, há tempos o estado tem cortado os serviços de manutenção periódica, que se tornam mais espaçados. Ele diz que a estrutura não entrou em colapso exclusivamente por conta da qualidade dos trabalhadores do sistema.
A injeção de recursos sem gestão e metas estabelecidas não é sinônimo de qualidade e a maior parte dos companheiros de trabalho que optaram por trocar o setor público pelo privado se arrependeram. “A privatização foi danosa para toda a população, basta ver o que aconteceu com as linhas 8 e 9. Muitos profissionais reclamam de baixos salários, carga de trabalho, que trabalham o tempo todo sob pressão numa profissão de risco e isso tem reflexo na qualidade do serviço. Estão totalmente arrependidos”, afirma.
Mordida pesada no bolso – Calabria defende discutir alternativas de arrecadação que vão desde expandir os espaços de propagandas em estações nos veículos até o direcionamento dos recursos arrecadados com o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Outras questões como a contribuição das empresas para um fundo nacional destinado a baratear a tarifa ao invés do pagamento de vale transporte individualmente e uma maior contribuição do transporte individual para custear o coletivo são discutidas por pesquisadores da área de mobilidade.
O menos adequado, porém, é optar pela saída mais fácil e a que julga menos eficiente adotado pelo governo Tarcísio. “São Paulo precisa entrar nessa discussão, o que não dá pra fazer é simplesmente aumentar tarifa.”
*A pedido do entrevistado, o nome foi omitido para evitar exposição