A pandemia de covid-19 amplificou as desigualdades sociais e a área da educação foi uma das mais afetadas. Com as aulas temporariamente paralisadas e, posteriormente, realizadas de modo online, a evasão escolar aumentou, especialmente entre os que moram em regiões periféricas. Na tentativa de diminuir a ociosidade dos estudantes e a distância, sobretudo de crianças e adolescentes, dos livros, das leituras e das letras — além de estimular a busca por conhecimento e o engajamento (possível) nos estudos —, a ONG Nóiz criou em 2020 o Caixote do Saber, uma biblioteca itinerante na Cidade de Deus, zona oeste do Rio.
Instaladas em pontos da comunidade, a exemplo de Brejo (onde nasceu o projeto), Pantanal, Tangará e Apês, as minibibliotecas que compõem a ação social receberam doações de mais de 1.500 livros por meio de campanhas em redes sociais e entregas espontâneas. O empréstimo de exemplares está liberado para todos os moradores.
Há um Caixote do Saber, por exemplo, na Escola Municipal Frederico Eyer. O espaço promove leituras compartilhadas para aumentar a interação entre os alunos e os professores. André Melo, presidente da Nóiz, observa que a iniciativa tem cumprido um papel de estímulo à leitura na comunidade. “Quando a gente coloca o caixote, o brilho nos olhos das crianças é contagiante. Tudo é uma questão de oportunidade e estímulo”, afirma.
“Quando a gente coloca o caixote, o brilho nos olhos das crianças é contagiante. Tudo é uma questão de oportunidade e estímulo”
André Melo, presidente da ONG Nóiz
A iniciativa também tem ajudado os pais. É o caso de Giovanna Ferreira, catadora de recicláveis, que tem seus dois filhos no projeto da Nóiz. “Eu tinha medo de deixar minha filha andar sozinha por causa da epilepsia, agora eu deixo porque confio na equipe. A Duda tem 8 anos e está aprendendo a escrever o nome dela”, diz.
Está mais difícil estudar — Se por um lado iniciativas importante como o Caixote do Saber têm contribuído para manter o interesse dos estudantes, por outro a população da favela enfrenta muitas dificuldades nas escolas, no acesso à educação. “A professora do colégio [Escola Municipal Frederico Eyer] criou um grupo no WhatsApp e passava deveres para copiar no caderno. Precisamos ‘caçar’ um wi-fi para não deixar as crianças sem cumprir as tarefas. Antes a escola dava o cartão de internet, agora só para quem tem comorbidade”, conta Giovanna.
ESTUDANTES NO BRASIL EM 2020 5,5 milhões ficaram sem acesso à educação 1,4 milhões entre 6 e 17 anos abandonaram os estudos 4,1 milhões dos matriculados não receberam atividades escolares
Fonte: Enfrentamento da Cultura do Fracasso Escolar (jan. 2021), da Unicef
Para Rute Andrade, especialista em neuropsicopedagogia, a falta de educação continuada é um problema que o poder público tem de enfrentar com urgência, porque suas consequências futuras trarão problemas mais graves para a sociedade. “A sala de aula eleva a autoestima, traz segurança e ensina na prática a ter consciência social”, avalia. “Estar fora do colégio dificilmente será superado sem ajuda adequada. A evasão escolar e o preconceito são complicadores para uma bela trajetória profissional.”
Volta às aulas com incertezas — O Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), divulgou um levantamento, entre fevereiro e maio de 2021, em que mostra que 90% das escolas não retornaram ao ensino presencial em 2020. Na rede municipal de ensino do Rio de Janeiro, as aulas presenciais voltaram a ser obrigatórias em novembro de 2021. O atual secretário de educação, Renan Ferreirinha, afirmou em nota que “É muito importante que a gente garanta que todos os nossos alunos tenham acesso à educação e para isso a volta da obrigatoriedade das aulas presenciais é um importante passo nessa direção”.
Rose Cipriano, dirigente do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação, indica ações em busca dos estudantes. “Os alunos foram pegos no susto com o método remoto e voltar pode ser impactante. Precisamos de ações institucionais, propagandas ou carros de som para conscientizar sobre a importância do ensino. A busca ativa nas casas precisa ser feita respeitando a realidade de cada pessoa”, opina.
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