Saulo de Sousa é um fotógrafo que tem raízes amazônicas bem fortes. Ele nasceu no Acre e, no estado vizinho, Rondônia, encontrou sua identidade pessoal e profissional. “Minha história é parecida com a de muitos amazônidas. Na minha família, tenho pessoas com pensamento político forte”, diz Saulo. “Meu avô foi líder comunitário, meu pai foi pastor e liderança também. Cresci na periferia de Porto Velho, no Bairro Nacional, que recebe muitos migrantes do Amazonas, Acre, Maranhão e outros.”
Essa dinâmica familiar e social formou a visão que Saulo tem da fotografia. Um estilo ele chama de ‘caboclagem’. “É esse ser que eu sou, como muitos outros”, diz. Seus trabalhos, explica o autor, incorporam sua elementos de sua criação e formação, da bagagem cultural e da relação da cidade com a zona rural e a floresta. “Muito dentro de uma perspectiva do modo amazônico de ver. Nesse limite de ver entre o urbano e o rural”, emenda.
É um processo que mistura todo um aglomerado cultural, como brancos, negros e indígenas, mas que não sabem onde estão. Eu me considero desse perfil, da caboclagem. Eu tento trazer isso para a fotografia: esse mistério entre o urbano e o rural
Saulo tem 36 anos de idade e é fotógrafo profissional há uma década. A família migrou para Porto Velho (RO) quando ele tinha 1 ano de vida. Aos 15, adorava brincar com a câmera fotográfica de um amigo de seu pai. E ganhou a sua, com a qual ficou muitos anos.
Como a vida não é fácil para quem nasce e cresce na periferia, em qualquer lugar do País, Saulo precisou deixar o sonho meio de lado, mas não o abandonou totalmente. “Essa câmera Zenit tinha um sistema com lentes, muito lento. As fotos eram feitas com muita paciência. Nesse processo, eu conheci bem a fotografia”, lembra. “Porém, um período de pouca grana, não tinha dinheiro pro rolo [de filme]. Entrei para a faculdade e deixei a fotografia pra depois. Entre 2011 e 2012, voltei a fotografar com força.”
Ausências e violências — E essa força levou Saulo longe. Um dos seus trabalhos preferidos e mais conhecidos, o Limites Profundos, foi exposto durante dois anos no México.
Sou de uma família com muitos perfis, com evangélicos, católicos, praticantes de matrizes africanas, politizados, não politizados, pessoas ligadas à movimentos sociais. Tudo isso fez parte do meu processo como pessoa e cidadão
Limites Profundos tem ligação com o espaço urbano, o espaço que artista conhece bem: a periferia de Porto Velho. Tem elo com ausências e violências. Dialoga com sua própria história de vida e com a história amazônica.
O aprimoramento do meu olhar está muito ligado a esses locais. Esses espaços invisíveis. Um dos trabalhos que tenho e foi exposto no México, em 2017 e 2018, o Limites Profundos, explora as janelas dentro da ausência das violências cotidianas, dentro do espaço urbano
Caminhada — Saulo é um dos coordenadores e participantes do 5º Festival de Fotografia em Tempo e Afeto, realizado em Porto Velho (RO). O programa começou no dia 8 de fevereiro e vai até o dia 27 de março. Ele primeiro define o evento como “maravilhoso”, pela chance de apresentar “fotógrafos novos, amadores e tradicionais”.
O “amazônida da quebrada”, diz Saulo, comemora o surgimento de novos talentos e a relação com outros profissionais de fora de Rondônia. “É um projeto que propõe o surgimento de fotógrafos de Rondônia e da Amazônia, mas também trazemos gente de fora para treinamentos, oficinas e troca de conhecimento.
É um evento gratuito e alternativo. Mostra seus anseios, linguagens, pensamentos e poesias visuais. Vai ajudar as pessoas a verem a Amazônia de uma forma diferente, não como um espaço vazio, com um verde imenso, porém com um mosaico de olhares de amazônidas, com olhares próprios sobre nós. São muitas ‘Amazônias’
Depois do festival, Saulo pretende retomar projetos em desenvolvimento que se debruçam na relação da floresta com as cidades. Um deles, aprovado pela Lei Aldir Blanc e levado junto com dois outros colegas, é o Açaí Pérola Negra. “Um trabalho sobre a colheita do açaí no interior de Guajará-Mirim [cidade na fronteira com a Bolívia].”
Além disso, tem o Falta Contar, processo de reescrita da história familiar em fotos, e o Caboclagem. “É um registro do caboclo, personagem principal, como eu, minha mãe. Não é a formação étnica, mas social deles, do contexto amazônico, do tempo do caboclo, que é diferente do nosso.”
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