Da região metropolitana de São Paulo, Vita Pereira, de Barueri, e Isma de Almeida, de Itapevi, formam a dupla Irmãs de Pau. Durante o isolamento causado pela pandemia de covid-19, as duas travestis negras se juntaram para compor funks que dialogassem com a comunidade LGBTQIA+.
Vita e Isma são amigas. Conheceram-se de verdade numa ocupação secundarista em uma escola em Barueri em 2015, ainda que já tivessem se encontrado em um coletivo de pessoas trans e periféricas. Agora estão sempre juntas.
Ser reconhecidas pela música é uma novidade, mas as duas têm outros trabalhos artísticos. Vita tem mais de 25 prêmios em cinema e já apareceu em 70 festivais nacionais e internacionais. A Isla é DJ, dançarina e produtora cultural.
A afinidade com assuntos culturais surgiu na infância, quando faziam peças teatrais e aprendiam as primeiras lições sobre presença de palco na escola e na igreja que frequentavam com suas famílias. “Carrego referências da minha experiência religiosa até hoje sim, e com muito orgulho”, diz Isma, “Gostamos muito de trabalhar essa coisa de não apagar o seu passado, mas ressignificar, aproveitar o que foi bom e abandonar o que não foi. Não podemos abrir mão totalmente das nossas bases, são os nossos pilares afetivos psicológicos.”
Versos de abertura em shows
Eu vou falar para os meus pais que eu sou uma bixa loca / Vou subir na minha laje e vou girar feito uma doida / Eu vou, eu vou / Eu vou falar para os meus pais que eu sou uma bixa loca / Vou subir na minha laje e vou girar feito uma doida
A faixa Travequeiro foi o primeiro sucesso das Irmãs Pau. Tem produção do DJ Mu540, muito conhecido por trabalhos no trap com o artista da baixada santista Kyan. Elas dizem que este trabalho foi fruto de uma pesquisa sobre desafetos em suas relações. “A Vita começou e eu dei um toque, mas o projeto vai muito além da letra, lembro até hoje da escolha das referências do beat junto com o Mu540, as ideias criativas pro clipe”, conta Isma.
Dotadas, álbum de estreia, saiu em setembro de 2021, ainda sem condições de experimentar as letras com o público por causa da pandemia. Depois, quando houve alguma flexibilização para a programação culturais, elas tocaram na Batekoo, no Festival Bixanagô e no KondZilla. O contato com o público tem sido bom. Para Vita, está sendo “um tesão enorme trocar [energia] ao vivo e a cores e sem pudores”. Isma completa: “Faz sentir que as coisas aconteceram efetivamente e afetivamente”.
Estamos nos lugares que ocupamos porque somos certeiras e temos apenas uma flecha para jogar esse jogo. Não desperdiçaremos nossas munições, diz Vita
Mas nem tudo está dado, porque o plano de voo das Irmãs só aumenta e fica mais complexo. Estão nos planos parcerias com MC Carol e a cantora Nina do Porte. Outro objetivo é abordar assuntos que extrapolem seus marcadores sociais, assumindo que levam consigo experiências que vão além da travestilidade.
Elas querem transmitir conhecimento — Além da arte, as duas têm uma paixão por pedagogia. Vita já se formou e Isma está a caminho. Segundo elas, a experiência acadêmica se reflete na criação. “A linguagem que aprendemos a dominar é nosso diferencial. Quem olha pensa que é só uma putaria sem sentido, mas quando observa nossos discursos percebe que tudo é muito intencional e pedagógico”, diz Isma. “Somos privilegiadas por ter apoio de nossa família e passar por universidades”, acrescenta Vita. “Mas mesmo assim, não deixamos de sofrer diversas opressões dentro e fora da academia.”
Uma que me incomoda bastante a dupla em seu trabalho é a falta de remuneração. Isma afirma que “extrair dinheiro dos que se dizem apoiadores da causa” é difícil e exaustivo. “Estamos cansadas de sermos pagas com visibilidade, precisamos pagar boletos, isso sim vai mudar nossas vidas, caso contrário nossa população vai continuar refém da prostituição.”
É uma luta incansável exaustiva e constante. Não desistam do seus projetos porque vcs falam por aqueles que não têm pra onde ir, não são respeitados.
A arte é uma coluna erguida com suor, lágrimas, cores, Amores e flores. Sucesso sempre.