“Como a gente vai se animar [para as festas de fim de ano] numa situação dessa? Não tem como, todo mundo aqui desesperado”, relata a dona de casa Sônia Ferreira dos Santos, 50, que mora no bairro Bom Parto, há mais de 20 anos, região considerada entorno da mina 18 da Braskem, que separa a área afetada da evacuada em Maceió.
Como Sônia, que divide o espaço pequeno e de um único vão com o marido Cícero Pereira da Silva, 38, e três filhos, outros moradores também relatam que não têm clima para as comemorações do fim de ano diante das incertezas e do medo de perder suas casas. Ela diz que não está recebendo suporte para o fim de ano, nem da empresa e nem da Prefeitura de Maceió. “Ninguém vem aqui dar uma palavra de conforto, nem nada, entendeu? Nem reportagem está vindo mais.”
A também dona de Casa Maria Bethânia da Silva, 55, mora há 32 anos na região e hoje reside sozinha em uma casa na Travessa São Francisco, ou “Beco do Sargento”, no bairro Bom Parto. “Queria ter reunido a família, tudo direitinho, né? Para nós passarmos o final de ano bom. Os amigos, cadê? Ninguém. Quem que vai fazer festa com a lama dessa? Os ratos. Que ninguém pode deixar o pacote em cima da mesa.”
Por conta da proximidade das ruínas das casas que já foram evacuadas, do esgoto a céu aberto e o mato crescendo, a comunidade se vê obrigada a conviver com transmissores de doenças, como ratos, cobras, gambás e focos de mosquitos.
Elas pedem a inclusão da localidade no Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação, criado ainda no final de 2019 pela empresa para indenizar proprietários dos imóveis que tiveram de ser desocupados.
Essas moradoras também sofrem com o isolamento social e econômico, além dos prejuízos causados pela exploração de sal-gema entre a década de 1970 e 2019 pela mineradora Braskem, que desde o aparecimento das primeiras rachaduras em 2018, afetou o solo de cinco bairros: Mutange, Bom Parto, Bebedouro, Pinheiro e Farol, mais de 14 mil imóveis tiveram que ser evacuados, obrigando 60 mil pessoas a deixarem suas casas na capital alagoana.
Psicológico abalado – Sônia relata ainda que por conta do desastre da Braskem e do rompimento da mina passou a ficar com o sistema nervoso abalado e descobriu recentemente que tem arritmia cardíaca. “O psicológico ficou abalado, o sistema nervoso também, antes não tinha isso. Fui ao médico e aí acusou.”
Maria diz que passou a tomar remédio controlado para dormir por conta do medo de que o colapso da mina pudesse afetar a sua residência. “Vivo de remédio controlado que tomo para dormir. Porque se eu morrer de noite, eu tô apagada, não vejo mesmo.”
Outro lado – Em relação à inclusão dos moradores de parte do Bom Parto no plano de realocação da Braskem, a empresa afirmou por meio de nota que a região ocupada é constantemente monitorada e não existem estudos técnicos que indiquem a necessidade de novas desocupações.
Além disso, ressaltou que “o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF) atua no mapa de desocupação definido pela Defesa Civil de Maceió em dezembro de 2020”.
Questionada sobre a realização de ação de fim de ano para minimizar os impactos causados aos moradores do entorno da mina 18, a Braskem afirmou que “a região onde está localizada a cavidade 18 (área de resguardo) já está totalmente desocupada desde abril de 2020. Portanto, no entorno da cavidade 18 não existem moradores e comerciantes”.
Também por meio de nota, a Prefeitura de Maceió informou que realiza a distribuição regular de alimentos para pescadores e marisqueiras que foram impedidos de trabalhar na lagoa.
A gestão municipal ainda informou que irá realizar ações de acolhimento e solidariedade no período de final de ano, com a distribuição de uma ceia de Natal para 4 mil pessoas das comunidades dos Flexais e Bom Parto, que ficam fora da área de risco. Além disso, destacou que haverá distribuição de brindes para crianças e atrações culturais.