Ser uma mulher que decidiu ingressar no mundo do empreendedorismo e ter o seu próprio negócio requer enfrentar muitos obstáculos, sobretudo pessoais. Precisamos romper a barreira de preconceitos que nos limitam por sermos do gênero feminino.
Ser autônoma em um país quebrado é, por vezes, a única saída para muitas de nós, por escolha ou falta de opção no mercado de trabalho.
Em um universo dos negócios ocupado há muito tempo por homens, há uma visão estereotipada apontando credibilidade de liderança a eles. Enfrentamos o preconceito e não somos vistas como capazes. Essa disputa ideológica pode nos tirar a autoconfiança e nos fazer desistir.
Assisti recentemente a um desabafo na internet de uma chef de cozinha, prestes a abrir um restaurante. Com bastante experiência no ramo, ela dominava o assunto e mesmo assim foi questionada por homens durante uma reunião. Eles a silenciaram e desacreditaram seus apontamentos sobre o seu negócio. Detalhe: ela já havia participado como mentora para abertura de outros negócios similares. Em seu relato, ainda abalada, refletiu que se fosse um homem em seu lugar, com certeza não seria tratado daquela forma desrespeitosa.
O relato despertou em mim o mesmo desapontamento, porque peitar o mundo do empreendedorismo é ser questionada se o lugar de fato te pertence. A frase de efeito “lugar de mulher é onde ela quiser”, quando se trata de espaços considerados de poder, está longe de existir na prática.
Um levantamento sobre empreendedorismo feminino feito pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) mostra que no terceiro trimestre de 2021 34% das mulheres eram empreendedoras, número inferior à marca histórica registrada no quatro trimestre de 2019 (34,8%), antes da pandemia.
O estudo revelou que em 2019 1,3 milhão de empreendedoras empregavam pessoas, o que representa 13, 6%; esse número recuou em 2021 para 1,1 milhão (11,4%).
Essa fatia de mercado fica ainda menor quando fazemos o recorte de raça e gênero. No último trimestre de 2019, as mulheres negras que eram donas de negócio representavam 50,3%. No ano passado, esse número caiu para 48,5%. Por outro lado, o número de mulheres brancas que empreendiam passou de 48,4% para 49,9%. A pesquisa foi feita com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad).
Atrelado a isso, considero impedimentos para que consigamos ocupar espaços do mundo dos negócios a responsabilidade que recai sobre nós de cuidar da casa e dos filhos e a falta rede de apoio, quando falamos de mães solo.
Estar em espaços de liderança e gestão ocupados principal e historicamente por homens é uma tarefa árdua (só nos cabe “liderança” para cuidar da casa e dos filhos). Isso está ainda enraizado na sociedade. Não importa o segmento — confeitaria, restaurante, oficina de costura, empresa do ramo da tecnologia ou da comunicação, que é o meu caso no Nós (sou gestora operacional e estou à frente da área institucional coordenando os processos internos) —, somos preteridas nesses espaços.
Romper com essa lógica é transformar também as organizações das quais somos gestoras. Cuidado esse que deve levar em conta a sobrecarga de trabalho que imputa às mulheres mais peso. Pensar um negócio que leve em conta essas questões pode ser um caminho para que nos sintamos menos cobradas e sobrecarregadas.
Apesar de todos os bloqueios, damos nosso jeito de abrir (nem que for uma fresta) janelas de oportunidade. Quando não funcionar, metemos o pé na porta. Certeza que nos chamarão de agressivas, enquanto homens são considerados assertivos. Não importa. Se chegamos até aqui é porque somos capazes. Assim como temos ocupado tantos outros espaços, esse também será nosso.