Diaspora.Black oferece viagens para destinos de turismo afro no Brasil e no exterior
A Diaspora.Black é uma startup que promove a preservação da memória e da cultura negra por meio do turismo. A iniciativa foi criada em 2016 por três amigos que já tinham vivido experiências de racismo e queriam viajar fazendo roteiros pouco óbvios. “A gente queria pautar as nossas viagens a partir dessa conexão com a cultura negra de cada território”, afirma o jornalista e co-fundador da Diaspora.Black, Antonio Pita.
Presente em 45 países, a empresa de hospedagem alternativa valoriza e respeita a história da população negra. O serviço funciona em uma plataforma na internet que reúne acomodações, passeios, pacotes e destinos voltados ao afrofuturismo. Além do site, oferece também consultorias e treinamentos para quem trabalha com essas vivências. Como resultado, já alcançou 400 empreendedores negros e negras, impactou 9 mil pessoas e estabeleceu uma rede em 150 cidades do Brasil e de outros países.
Na semana passada, Antonio Pita representou a Diaspora.Black no Salvador Capital Afro, evento promovido pela prefeitura de Salvador (BA) para incentivar o afroturismo e o empreendedorismo negro na cidade. Em sua passagem na conferência, que ocorreu entre os dias 30 de novembro e 4 de dezembro, Pita conversou com o Expresso na Perifa e explicou a dinâmica e os propósitos da plataforma de turismo e hospedagem que fundou com seus amigos.
Segundo Pita, viajar sob a ótica desse segmento turístico significa visitar um destino e estabelecer uma conexão a partir de contextos relacionados à diáspora africana. Londres, por exemplo, é uma cidade que tem muita referência do reggae, da Jamaica e do Caribe. Se conectar com essas referências de cada cidade sempre foi a minha motivação. Vivi isso procurando na África do Sul, na Nigéria, enfim, em diversas cidades para onde pude viajar”, explica.
Em cada destino, no entanto, esse percurso, nesse contexto, era um desafio. “Era muito difícil encontrar essas referências nos catálogos tradicionais, saber onde estão esses lugares, quais são os pontos principais, mesmo em cidades tão tradicionais, como Salvador, você tem às vezes uma leitura muito caricata dessa cultura”, critica.
Conectar pessoas — Um dos objetivos da Diaspora.Black, portanto, é colocar as pessoas em contato com uma história nem sempre contada em livros escritos por mãos brancas e pensamentos racistas. “[É possível] conhecer mercados tradicionais, casas tradicionais de candomblé e festas populares por dentro, por quem conhece e vive aquela realidade. A gente faz a conexão e a curadoria desses guias, dessas empresas que são especializadas nessa narrativa e oferecem isso para o público, para todo mundo que quer se conectar com essa referência”, detalha.
Uma das grandes oportunidades, segundo Pita, é permitir experiências com anfitriões locais. “Fundamos a Diaspora.Black para ser um ponto de conexão de anfitriões que cuidam com respeito, que acolhem as pessoas que estão viajando e também para ser essa curadoria do que pode ser melhor vivido como turista em cada local. Salvador é uma das cidades onde a gente tem mais atividades. Também no Rio de Janeiro e em São Paulo, porque tem essa pujança, essa riqueza de coisas para fazer”, exemplifica Pita.
Nas periferias — O olhar para a cidade, no entanto, não se restringe a regiões centrais ou territórios turísticos consagrados. “Olhamos para a ocupação da cidade como um todo. Em Salvador, por exemplo, a gente trabalha com roteiro na região do Subúrbio Ferroviário, que é depois [do bairro] da Ribeira. Você pega toda uma área periférica, que são bairros populares, mas que têm uma beleza natural imensa, têm parques urbanos, cachoeiras, trilhas e são um espaço de resistência cultural e religiosa”, salienta.
Pita destaca roteiros desenvolvidos em parceria com o Quilombo Aldeia Tubarão (Quial), uma organização sem fins lucrativos que promove uma série de atividades aos turistas como rodas de samba e visitas à Ilha de Maré.
“São roteiros que valorizam a memória dos territórios. Tem museu dentro deles. Em Salvador, isso é um exemplo. Em São Paulo, um parceiro nosso, Guilherme Soares, fundador do Guia Negro, realiza um tour pelo Grajaú [bairro da zona sul da capital paulista], que também oferecemos dentro da nossa plataforma. No Rio de Janeiro, você consegue ir para Madureira, para zona oeste, se conectar com boas referências da cultura negra nesses territórios”, acrescenta.
O maior desafio, afirma, é fazer as pessoas descontruírem uma visão comum e perceber o quanto uma viagem pode ensinar sobre a história de um país. “Algumas já vêm procurando o óbvio: ‘Ah, eu quero ver o Olodum no Pelourinho.’ Sim. Isso é maravilhoso, você pode ver ele ali, mas conhecer um pouco mais de onde veio o samba reggae, estender um pouco mais, ir até a Liberdade para conhecer o Ilê Aiyê, que é um bloco afro tradicional em um território periférico. Você pode aprofundar essa camada, ir atrás de mais referências. O desafio é fazer a pessoa se abrir para esse outro olhar”, conclui.
Poder público — Pita avalia que o turismo permite ensinar a história e fortalecer a cultura negra de uma forma lúdica, leve, a partir do lazer. “A gente não está só fazendo ativismo, a gente está passeando e contando uma história que foi escondida por muitos anos. Isso é muito poderoso para justamente abrir o olhar das pessoas. Todo mundo precisa conhecer para entender do que a gente é feito, de onde a gente veio, como a gente se constituiu como sociedade.”
Para que isso seja possível, defende o co-fundador da Diaspora.Black, é preciso investir em políticas públicas no setor. Pita resgata a década de 1990 quando era comum observar propagandas de mulheres nuas, futebol e caipirinha, gerando uma imagem vazia do Brasil e com apelo ao turismo sexual.
“Existe um trabalho de desconstruir essa projeção do Brasil. Quando a gente projeta o país de uma forma, a gente está construindo uma identidade nacional também. “De acordo com Pita, a política pública é importante para construir outras referências. “O Brasil recebe menos visitantes do que todas as ilhas do Caribe sendo que o país tem atrativos, praia e cultura para oferecer. Por que não recebemos tantos turistas? A gente não comunica, não vende aquilo que a gente tem de melhor, que é justamente a nossa diversidade. Exatamente o que é mais autêntico, sobretudo a cultura negra que está presente na maior parte das manifestações culturais brasileiras”, finaliza.