A pessoa negra segura o diploma, o garoto sorri na janela com vista para o mar, a menina leva o feminismo negro para a escola, o cartaz pergunta: “as pessoas negras ao seu redor estão se divertindo ou trabalhando?”. Imagens como essas, coladas nas regiões altas e baixas de Maceió (AL), são o que o artista e publicitário alagoano Gleyson Borges chama de “intervenções pretas nos muros brancos”. Autor do projeto A Coisa Ficou Preta, Gleyson faz um trabalho afirmativo da identidade preta. Ele próprio conta que começou a se reconhecer numa manifestação artística, o rap. “Não era só uma batida maneira. Era música escrita e cantada por pretos. Me percebi, me vi, me aceitei, sou preto.”
Desde 2018, Gleyson usa a técnica lambe-lambe para levar sua arte às partes altas e baixas de Maceió.
No lambe, um pôster é impresso e depois colado em muros e paredes, com cola. Por ser barata e acessível, é geralmente usada por coletivos culturais na divulgação de eventos e por artistas na difusão de seus trabalhos.
As manifestações artísticas que ocupam o espaço das cidades têm um grande potencial de alcance de pessoas das mais variadas idades, gêneros, classes sociais e crenças. “A arte, principalmente a arte urbana, tem essa responsabilidade de fazer gerar uma ação. Não é uma questão estética, de beleza”, diz Gleyson. “É uma coisa que provoca algo nos outros.”
No caminho para ajudar outras pessoas negras a despertar para suas negritudes, o artista registra suas ações na páginaA Coisa Ficou Preta, que tem mais de 30 mil seguidores no Instagram.
Para ele, o racismo e suas tecnologias criam muitas barreiras para que a população negra se reconheça enquanto tal e tenha orgulho de seus traços e trajetórias. É nesse sentido que a arte ocupa um lugar importante de subversão desse cenário e pessoas como Glayson são agentes desse processo de reconhecimento e empoderamento.
56% da população brasileira é negra, segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica, o IBGE
Impacto da covid-19 — As crises de saúde e economia que o Brasil atravessa desde o início da pandemia de covid-19 atingiram a rotina do artista alagoano, que teve sua renda prejudicada. Na impossibilidade de sair para colar os lambes, decidiu abrir uma loja online para vender suas artes e seguir adiante com o projeto de identidade e reconhecimento das negritudes. “Não queria monetizar, porque tinha medo de meio de desvirtuar a finalidade da minha arte”, diz Gleyson. “Mas hoje em dia vejo como uma forma de valorizar meu trabalho e continuar colando”, conclui.
VEJA TAMBÉM
- ‘A cultura de rua vem dos guetos’, diz pesquisadora
- A arte urbana expressa (e impressa) nas periferias
Quanto preconceito, que coisa feia.