Uma das mais graves e preocupantes consequências da pandemia e do isolamento social é o aumento dos casos de violência doméstica. Em 2020 o índice de estupros subiu 13,2% no ABC, região metropolitana de São Paulo — o dado é da Delegacia da Mulher (DDM). A cidade de Santo André ficou no topo das ocorrências ao registrar 51% dos casos.
Um problema grave no Grande ABC, sobretudo neste momento, é que a Frente Regional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres está com dificuldade para manter o programa Casa Abrigo, uma iniciativa que acolhe vítimas de violência de gênero em duas residências e que esteve perto de fechar uma delas. Os espaços são custeados com o dinheiro de um rateio entre as sete prefeituras locais.
Responsável pelo programa, a Frente Regional reúne coletivos e movimentos sociais feministas. Ela é apoiada pelo Consórcio Intermunicipal Grande ABC, uma associação pública das cidades da região. Desde 2019, no entanto, São Bernardo do Campo descumpre sua parte. Ou seja, não paga o valor devido.
SOBRE O CASA ABRIGO
O programa de ação social foi criado no Grande ABC em 2004, é custeado por valores repassados pelas prefeituras e já atendeu 3 mil pessoas. Nas duas residências, as vítimas recebem refeições, kit de higiene pessoal e acolhimento profissional de psicólogos e assistentes sociais. A permanência é de no mínimo 180 dias
Durante uma assembleia realizada no Consórcio em novembro de 2021, a Frente Regional entregou uma carta de compromisso aos prefeitos dos municípios participantes. O documento pedia a manutenção do programa e a criação de casas de passagem para abrigar as vítimas por um período inferior aos seis meses do modelo principal. Nenhum dos gestores assinou o documento.
Para a vice-coordenadora da Frente Regional, Vanderli Carvalho Monteiro, as casas tem de ser prioridade na estratégia de defesa da vida. “É necessário priorizar as políticas públicas voltadas às mulheres”, diz Vanderli. “A gente não tem para onde correr. Se não tiver a casa para abrigar as mães e os filhos, onde vão ficar?”, questiona.
Por medidas de segurança, esta reportagem não teve acesso às unidades do programa, mas conversou com Cláudia César Costa, ex-moradora de uma delas. Agressões físicas e psicológicas do ex-marido e o tratamento contra um câncer de mama a fizeram viver na casa por cinco anos.
“Cheguei depois de fazer uma denúncia na delegacia da mulher e recebi apoio da equipe. O espaço é equipado para nos acolher”, afirma Cláudia. Ela recebia um valor mensal para se manter e assim conseguiu fazer um curso de capacitação e passou no vestibular de Psicologia. “O serviço da casa é essencial. Não pode parar. São muitos casos de violência e de mortes, o agressor não recua.”
O serviço da casa é essencial. Não pode parar. São muitos casos de violência e morte, o agressor não recua
Acácio Miranda, secretário executivo do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, diz que o trabalho será mantido, porque as outras prefeituras fizeram um aporte financeiro e quitaram valores atrasados. No entanto, ele afirma que se São Bernardo tivesse feito o pagamento anterior a situação seria confortável.
A saúde financeira do Casa Abrigo depende do repasse de cada prefeitura da região do Grande ABC. O valor varia de acordo com o orçamento da cidade. São Bernardo deve cerca de R$ 1 milhão. “Fizemos várias tratativas desde o começo do ano”, diz Miranda. “Mas [a prefeitura] alega questões orçamentárias. Em setembro de 2021 a prefeitura fez acordo e paga a mensalidade de R$ 37 mil, mas precisamos rever a dívida anterior”, explica.
Prefeitura de SBC — Por meio da assessoria de imprensa, a prefeitura de São Bernardo informa que em 2021 repassou R$ 108.869,50 ao programa Casa Abrigo e que a retomada dos demais pagamentos, nas mesmas condições, será feita quando houver esclarecimento sobre a legalidade da medida dos débitos anteriores.
VALORES ANUAIS Quanto cada cidade paga à Frente Regional do ABC de Enfrentamento da Violência Contra as Mulheres São Bernardo: R$435.478,01 Santo André: 167.636,92 São Caetano do Sul: 130.929,40 Diadema: 123.298,23 Mauá: 114.835,38 Ribeirão Pires: 21.667,63 Rio Grande da Serra: 6.154,43
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