A aceitação do próprio corpo, na maioria dos casos, vem depois da dor do preconceito e sofrimento de mulheres que não se enquadram nos perfis estéticos do belo. Foi assim com a influencer e modelo plus size Tuanne Valente, 29 anos
Reportagem de Cássio Miranda, Periferia em Foco, em Belém
Tuanne vive no Jurunas, periferia de Belém. Ela tem 9 mil seguidores no Instagram e com sua influência afirmativa faz crescer uma rede de empoderamento feminino na contramão de estereótipos impostos pela indústria da moda.
Na adolescência, alisava o cabelo com química por exigência da mãe. Durante anos, brigou com o peso, usou receitas caseiras e chegou a tomar remédios tarja preta para emagrecer. Mas aos 15 deu início a um processo de reconhecimento e abandonou as amarras. Aceitou os cabelos e o corpo. Inspirou-se, ela conta, em outras mulheres pretas e influentes, a exemplo da cantora e compositora Negra Li.
Tuanne já conquistou títulos, como o Garota Janela Urbana e a Gordinha mais Bela do Pará, em 2016. Hoje, é microempresária e abriu no início de 2021 uma agência online voltada exclusivamente a mulheres e homens gordos. O objetivo é promover consultoria em moda de modelos plus size e produções de eventos.
“O preconceito está na sociedade, em cima dos corpos reais. E ele nasce nas pessoas influentes, grandes marcas, artistas que deveriam lutar contra”, diz Tuanne. Ela conta que durante oito anos entrou em agências de renome, sobretudo no Pará, onde nunca foi chamada para nenhum trabalho. As coisas mudaram. “O preto e o gordo sempre estiveram aqui, mas agora estamos nos tornando moda, tendência, uma novidade para eles. Como modelo plus, militante e representante do movimento negro, acho isso vergonhoso, porém são portas pequenas e eu quero lutar, entrar por essas portas para dar espaços a outros nomes em um mercado fechado.”
Perguntada se acha que inspira outras mulheres, Tuanne diz que não — e afirma que é por meio dos relatos dessas outras mulheres, que chegam em suas redes sociais, que revisita dores que conhece tão bem. Desse compartilhamento surge uma rede de afeto e troca de experiências. Um ciclo positivo e compartilhado.
Mais ‘Tuannes’, porque 'bonito é ser livre'
A psicóloga Daniele Medeiros ressalta que vivemos numa sociedade excludente, machista e gordofóbica, em que histórias como a da modelo Tuanne Valente reforçam a luta diária contra toda forma de discriminação e racismo explícito na sociedade. “Vivemos em cultura de preconceito histórico que é alimentada pela moda, a arte, a mídia etc.. Mas também encontramos pessoas com referenciais positivos que motivam e influenciam jovens, mulheres, negros e gordos a se enxergar e amar”, diz Daniele. “Porque bonito é ser livre, ter empatia e amor por si e pelo outro.”
Segundo a consultora em moda Adriana Estácio, a representatividade de Tuanne perpassa um momento histórico de libertação do padrão de beleza estereotipado: mulheres brancas e magras, na grande maioria. “Conseguimos nos aproximar de um público consumidor que por décadas foi esquecido e maltratado diante de suas necessidades de vestuário, e com reais possibilidades aquisitivas.”
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