Belém do Pará é cercada de rios e parte da população, tanto da cidade quanto de regiões de ilhas, carecem de alternativas que desafoguem o trânsito caótico da capital. Um dos caminhos que facilitaria o ir e vir das pessoas, principalmente de áreas periféricas, seria o transporte fluvial. Mas esse modal de baixo custo ainda precisa de muito investimento para expressar seu potencial. Se com isso a malha hidroviária for ampliada e o transporte melhorar, a mobilidade paraense pode chegar a uma realidade mais humanizada.
Exemplo de transtorno — Em janeiro de 2022, por exemplo, a população da ilha de Caratateua (conhecida como Outeiro), a 30 km da capital, foi prejudicada quando um acidente na principal ponte que dá acesso à região comprometeu sua estrutura e teve de ser bloqueada.
O transporte terrestre, que já era um problema, piorou. Acionados de forma emergencial pela administração pública, outros meios não funcionaram — a exemplo de balsa, ferry boat e lanchas rápidas que levam os moradores de Outeiro e Icoaraci.
Autônoma e moradora da região, Leilane Monteiro, 32, disse que naquele dia chegou na fila às 7h da manhã e só conseguiu atravessar para Outeiro às 12h. “O transporte fluvial pra cá já deveria existir há anos, mesmo porque o transporte público terrestre é muito complicado aqui na ilha”, diz.
Um dos problemas que vieram à tona após o bloqueio da ponte, foram as embarcações clandestinas, que atuam na região fazendo o transporte de passageiros para suprir a demanda da população que não tem alternativas de transporte para saírem da ilha, apenas o meio urbano. Isso é muito arriscado e coloca os usuários em perigo. O escalpelamento, por exemplo, é um acidente típico do transporte hidroviário clandestino na região amazônica, além de naufrágios e colisões devido a superlotação das embarcações.
Falta um bom transporte público — O aposentado e morador da ilha, Carlos Souza, reforça que mesmo a Amazônia, detentora de uma das maiores bacias hidrográficas do mundo, não recebe um tratamento diferenciado. Ou seja, a prioridade é o uso do transporte rodoviário enquanto o deslocamento por água é cheio de deficiências. “Outros problemas poderão acontecer, caso o povo não cobre do poder público melhorias e a construção de novos portos, tudo isso, evidentemente, prejudica o atraso no desenvolvimento da região”, afirma Carlos.
O acesso à cidade é um direito assegurado na constituição, mas os moradores da ilha de Outeiro sofrem com a precariedade de um transporte público de qualidade. De acordo com o especialista em trânsito e mobilidade urbana Rafael Cristo, o problema da mobilidade passa por questões jurídicas, técnicas, sociais e políticas.
“Belém tem um posicionamento singular quando o assunto é bacia hidrográfica”, diz Rafael. “A parceria público-privada pode ser impulsionada por incentivos fiscais, isso fomenta o turismo e a integração entre os modos e serviços de transporte urbano. Consequentemente, reduz os custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas”, avalia o especialista em trânsito.
As medidas a curto prazo, aponta Rafael, incluem a implantação de políticas públicas que integrem outros modais de mobilidade e incentivos sociais que levem moradores ao uso dos rios a fim de criar um sistema com melhor qualidade de vida a todos.
Projetos hidroviários – De acordo com o site de notícias Agência Belém, a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém (Semob) realizou uma viagem experimental, em agosto de 2021, na embarcação catamarã, que visa interligar o transporte fluvial ao transporte público, indo do centro de Belém até os distritos de Icoaraci e Outeiro.
Na comunicação oficial está escrito que a embarcação tem capacidade para 152 passageiros sentados, ambiente climatizado, assentos acolchoados e lugares reservados para usuários com prioridade. Tem banheiro adequado para pessoas com dificuldade de locomoção, lanchonete, espaço para bebedouro e repositório de álcool em gel.
Segundo o texto, a ideia da atual gestão é ofertar uma viagem segura e rápida por vários pontos da cidade, mas até agora o projeto não saiu do papel. Sem previsão.
Outro site de notícias, a Agência Pará informa que no passado, o Estado investiu na construção de 20 novos terminais hidroviários para passageiros, sendo 13 no Marajó, quatro no Baixo Amazonas, dois no Guamá e um no Tocantins. Na capital, Belém, em outubro de 2021, o governo abriu processo licitatório para a construção do Terminal Hidroviário Turístico de Icoaraci para atender as comunidades de ilhas próximas da cidade.
Quem fiscaliza o transporte urbano fluvial, no Pará, é a Capitania dos Portos da Amazônia Oriental (CPAOR). Órgão ligado à Marinha do Brasil.
O Expresso na Perifa procurou os órgãos citados nesta matéria para responder sobre as críticas dos moradores e do especialista. A reportagem também quis apurar como são feitas as fiscalizações na região e que políticas públicas são adotadas para que a mobilidade urbana melhor, mas até o fechamento desta reportagem não obteve resposta. O espaço está aberto.