Divulgado em julho de 2021, este relatório calcula que até o final de 2020 — um ano marcado pelo início da pandemia de Covid-19 — 811 milhões de pessoas passaram fome no mundo. O estudo foi feito em conjunto pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola, o Programa Mundial de Alimentos, o Fundo das Nações Unidas para a Infância e a Organização Mundial da Saúde.
Outro levantamento, agora da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), indica que — só no Brasil — 19,1 milhões de pessoas passaram fome em 2020. Os dados mostram, ainda, que apenas 44,8% dos lares brasileiros conseguiram garantir as refeições do dia. Isso significa que 55,2% das famílias estiveram em insegurança alimentar no período avaliado e não tiveram acesso pleno e permanente a alimentos.
Embora reveladoras, as pesquisas podem esconder um problema ainda mais grave e pouco falado: a fome oculta. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a fome oculta ocorre quando as pessoas não fazem alimentações variadas em relação aos grupos alimentares e isso gera uma deficiência no organismo. Ou seja: não basta comer, é preciso se alimentar bem. Para isso, a dieta precisa ser equilibrada.
No contexto de crise econômica, ações de solidariedade passaram a ser a única saída de milhões de famílias no país. Na parte baixa de Maceió, a organização Casa do Congresso do Povo, localizada no bairro da Levada, tem servido como ponto de apoio para centenas de pessoas da comunidade. Por lá, oferecem alimentação nutritiva e diversificada para fortalecer a saúde das pessoas.
Os alimentos são produzidos por centenas de assentados e acampados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), uma das organizações populares envolvidas na construção da casa. Até o momento, já foram distribuídas 250 toneladas de comida (desde o início da pandemia), e quase 50% desse número foi destinado aos moradores do bairro.
Gustavo Marinho, comunicador popular que integra a iniciativa, ressalta que esse é apenas um dos eixos de atuação da organização. “Foram e são os trabalhadores rurais e camponeses que mantêm a comida na mesa de todos. Não é somente produzir comida sem veneno e alimentos saudáveis, mas levar comida à mesa do povo brasileiro”, explica
Batata doce, inhame, macaxeira, banana, melão, laranja, acerola, além de bacalhau e galinha caipira — direto da produção dos acampamentos no interior — passaram a integrar a rotina de Flávia Fernandes, de 42 anos. Ela está desempregada, mas voltou a trabalhar informalmente vendendo galeto na porta de casa. Vive com o marido e os cinco filhos na comunidade, e a renda não é suficiente para garantir o acesso aos alimentos de maneira plena. “Eu fico feliz porque sei que vou dar comida boa para as minhas crianças. As doações na Casa são diferentes e têm variedade e qualidade”, conta Flávia.
A importância da dieta equilibrada — Para a nutricionista Júlia Nogueira, esse tipo de ação é fundamental para contribuir com uma alimentação que supra as necessidades do organismo, principalmente em um contexto de vulnerabilidade social. “É difícil catalogar o que deve ou não ser oferecido em doações, afinal, quem sente fome não importa se é macarrão com salsicha ou uma cesta de frutas. Mas, se for possível, é importante oferecer opções que ‘descascam’, como macaxeira, inhame, batata, frutas e legumes e vegetais de todos os tipos”, diz a especialista.
Júlia afirma que uma sopa pode ser uma excelente opção, quando, além do macarrão, ela estiver reforçada com vegetais, a exemplo de batata, cenoura, chuchu, cebola e tomate, além de algum tipo de carne. A regra de ouro é tentar oferecer esse conteúdo sempre. Nos grupos etários formados por idosos e crianças pequenas, o esforço precisa ser ainda maior.
Na chamada primeira infância (0 a 6 anos), por exemplo, as células cerebrais podem fazer até mil novas conexões neuronais a cada segundo e a falta de uma nutrição adequada prejudica o desenvolvimento das estruturas cerebrais. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, mais de 200 milhões de crianças de até cinco anos não atingem seu potencial de desenvolvimento humano por causa da associação de desnutrição crônica e de estímulo determinante para a idade.
“Uma criança que vai para escola com fome, por exemplo, não vai conseguir aprender direito biologicamente falando e até no sentido emocional. Pode existir até irritabilidade em aula. A criança não terá bom desempenho escolar e, em relação à ausência de vitaminas, o funcionamento do cérebro não ocorre de maneira correta. É uma conta simples: desnutridas, as crianças não evoluem”, expõe a psicopedagoga e consultora educacional Amanda Pimentel.
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