Desde a infância em Arcoverde, Pernambuco, Galba Gogóia nutriu o sonho de atuar e criar. Por meio de peças teatrais improvisadas para a vizinhança, seu destino artístico começou a se desenhar. Aos 15 anos, sua mudança para o Rio de Janeiro e a descoberta da Escola Sesc de Ensino Médio (Esem) foram decisivas em sua trajetória. “Além das disciplinas obrigatórias, tínhamos uma agenda completa dedicada à formação teatral e artística, na qual eu participava diariamente”, relata.
Após concluir o ensino médio, a vida de Galba tomou um rumo de descobertas e desafios, marcados em especial pelo enfrentamento do preconceito ao assumir sua identidade LGBTQIA+. A decisão de cursar Cinema na faculdade se deu com o objetivo de questionar e repensar a produção cultural brasileira, na perspectiva de imprimir maior representatividade e inclusão, guiada pelo seu olhar singular como travesti.
Aos recém-completados 30 anos, Galba já acumula uma vasta produção artística. Como atriz, Galba brilhou em produções como a série “Perdido” (2019) e nos filmes “A Suspeita” (2020), “Iceberg” (2022) e “O Último Animal” (2022). Como diretora, deixou sua marca em obras como “A Última” (2015), “Jéssika” (2018) e “Vinde Como Estais” (2019). Enquanto roteirista, contribuiu para o sucesso da série “Todas as Cores do Brasil” (2022), no Canal Off e Globoplay, assim como para as temporadas de “LOL: Se Rir, Já Era!” (2022 e 2023), na Amazon Prime.
Em 2024, ela fará sua estreia no elenco de três novas produções previstas para lançamento neste ano: “Capoeiras”, na Star Plus da Disney, “5 x Comédia”, na Amazon, e “Candelária”, na Netflix. Além disso, haverá o lançamento de seus projetos como roteirista, incluindo “Beleza Fatal”, na HBO, e “Alice Júnior 2: Férias de Verão”, nos cinemas.
Sua presença em mais de 20 festivais, como o Festival do Rio e a Mostra Tiradentes, demonstra seu talento e reconhecimento. Galba também fez parte do júri do Festival do Rio, em 2020, além de ter seu trabalho coroado com três prêmios pelo curta-metragem “Jéssika”.
Sem rótulos – Em entrevista ao Expresso na Perifa, Galba fala sobre a representatividade trans na indústria do entretenimento e enfatiza o progresso alcançado pelas pessoas trans ao adentrarem espaços antes inimagináveis. “Temos acesso a lugares que há algumas décadas eram inacessíveis para pessoas como nós”, diz. “Estamos aqui por causa das lutas daqueles que vieram antes de nós. Eles enfrentaram um país muito mais hostil para garantir nosso espaço hoje.”
No entanto, reconhece os desafios ainda enfrentados pelos profissionais trans na indústria do cinema. “Somos poucos roteiristas trans em projetos de grande porte, mas há cada vez mais pessoas trans envolvidas nesse meio. Estamos abrindo portas para elas. Questiono constantemente os trabalhos que aceito. O meu trabalho é um instrumento de transformação social e uma das minhas prioridades é garantir oportunidades de emprego e renda para pessoas trans. Faço questão de sugerir e promover a inclusão delas nos projetos em que estou envolvida.”
Além do apreço pelo gênero da comédia, Galba destaca sua missão de humanizar as histórias que conta. “Quando faço um trabalho, busco humanizar os personagens trans. Não quero apenas retratar estereótipos ou histórias de violência.”
Como diretora, roteirista e atriz, comenta a importância de apresentar personagens trans de forma complexa e multifacetada. “Quero mostrar que esses personagens têm sonhos, alegrias e tristezas, para além de sua identidade de gênero. Acredito que isso abre caminho para que as pessoas possam acessar e se identificar com uma variedade maior de histórias.”
Ao discorrer sobre sua trajetória e os desafios enfrentados como artista trans e integrante da comunidade LGBTQIA+, também compartilha conselhos aos jovens trans que estão no início de suas carreiras no meio artístico. “Acredite no que você quer fazer. Mesmo enfrentando preconceitos e adversidades, é essencial se posicionar e não ter medo de expressar sua opinião.”
Sobre o legado que espera deixar com seu trabalho, manifesta o desejo de ser reconhecida simplesmente como “Galba, a cineasta” ou “Galba, a atriz”, sem a necessidade de adjetivos que limitem sua identidade. “Quero que minhas obras falem por si só e que as pessoas se conectem com elas”, afirma, ao demonstrar sua esperança de que, no futuro, sua contribuição para o cinema seja lembrada por sua qualidade e impacto, independentemente de rótulos.
Projetos futuros – Com uma carreira consolidada, Galba se une em 2024 ao dramaturgo Rafael Souza Ribeiro. Eles iniciam neste ano dois projetos artísticos.
O primeiro é uma peça de teatro. Surge como um manifesto contra estereótipos, mas a partir de um olhar LGBTQIA+. A dupla quer abordar temas contemporâneos com uma perspectiva crítica e ácida, desafiando as noções preconcebidas sobre identidade e pertencimento. “Queremos rir do outro, mostrar que o objeto do riso não vai ser sempre a gente”, resume a cineasta.
O segundo projeto se estende para o cenário cinematográfico com o filme “Jéssika”. A proposta, segundo ela, é criar um longa-metragem, uma continuação da história de uma personagem trans que já capturou a atenção e o coração do público. Rafael Souza-Ribeiro se une a Galba, trazendo sua sensibilidade narrativa e experiência dramatúrgica para enriquecer a trama. “O longa promete ser uma obra que desafia estereótipos, oferecendo uma narrativa de reconciliação, identidade e família sob uma lente inclusiva e representativa”, afirma Galba.
Em “Jéssika”, eles pretendem também destacar a riqueza e a diversidade do Nordeste brasileiro que, de acordo com a atriz, é frequentemente retratado de forma unidimensional.
Com suas raízes no sertão de Pernambuco, Galba sonha outros cenários para sua região nas telas. “Quero mostrar o Nordeste como ele é: um lugar de cosmopolitismo, cultura e tradição.”