Termino o ano cansada, exausta. Acredito que todas (e todos) ainda sentem o peso da pandemia. Não deu para sair inteira de tudo isso, mas com o que sobrou ainda é possível seguir; é a única opção. Quebrei diante da paralisia de tempos economicamente escassos e emocionalmente desgastantes. Mesmo assim, segui recolhendo os cacos e colando da forma que era possível.
Refletir sobre como a pandemia nos transformou, para mim, é reconhecer que esse cenário me fez olhar para o meu pior e o pior do mundo. Em períodos como o que ainda estamos vivendo, o saldo coletivo é de que precisamos melhorar muito enquanto sociedade.
Contextos que já existiam pela estrutura de poder que impera — machista, racista e patriarcal — tornaram a vida de quem é mulher mais desafiante. Todas nós tivemos que enfrentar o de sempre nessa corda bamba pandêmica. Equilibrar os pratos, sabendo que muitos iriam cair. Recolher os estilhaços e tentar não esmorecer foi o que eu tentei por aqui.
Nesse último ano de pandemia, eu mudei de casa, de trabalho e me joguei na vida, de tal maneira, como se o mundo fosse acabar. Era minha sensação, diante de tanta incerteza. Posso dizer que foi dolorido, deixei uma Bianca para trás, que não volta mais.
Escrever me fez escoar essas dores todas. Dividi nesta coluna angústias minhas e de outras mulheres. Compartilhei vivências muito particulares. Decidi me abrir porque entendi que todas nós passamos por coisas similares, ou conhecemos alguém que procura uma história igual para não se sentir tão só, e de alguma maneira se encontrar.
Escrevi sobre a importância de mulheres da periferia contarem suas próprias histórias. Carolinas, Marias, Tarsilas, vidas que, por vezes, foram apagadas e consideradas desimportantes aos olhos de muitos por conta de suas geografias, mas que merecem aparecer e ser enxergadas aos olhos do mundo.
Compartilhei minha vivência em relacionamentos tóxicos, realidade enfrentada por muitas de nós, e de como é difícil romper, sobretudo em momentos em que estamos tão carentes e precisando de afeto.
A dificuldade de ser mulher em um país machista — que nos traz marcas de violência só por existirmos — foi o texto mais complicado de dividir por aqui. Narrei um período da minha infância em que minha mãe apanhava do meu pai, para refletir como, mesmo passado tanto tempo, essas dores ainda moram em mim.
Dividi minha irritação com a narrativa good vibes de algumas pessoas para pensarmos juntas e juntos como ser positivo o tempo todo nos leva, por vezes, à inação. Porque, já que está “tudo bem”, não preciso me mover para transformar nada, não é mesmo?
Acalmei meus ânimos e decidi que tudo bem não dar conta de tudo, para falar sobre a carga mental imposta às mulheres, como limpar casa, fazer comida, cuidar dos filhos. O mundo e a economia tradicional não se sustentariam sem nosso trabalho, mesmo assim essas atividades são desvalorizadas e não remuneradas.
Por fim, escrevi sobre minhas raízes da periferia, que levo para todo lugar. “Se você nasceu na periferia, é porque um sistema te colocou ali. E se você está ali, é porque não é merecedor de direitos. E esse sistema continua operando para que esse lugar continue bem longe de quem tem poder. Empurrou o pobre para a periferia, mas fez da gente um corpo-espaço que nos acompanha para onde quer que estejamos”.
Decidi revisitar todos esses textos e compartilhar por aqui porque essas narrativas me ajudaram a recolher meus cacos. Escrever, para mim, é um mosaico de partes quebradas minhas. Esta é a última coluna neste 2021 e eu só agradeço por quem decidiu parar um tempo para ler o meu caos. Até 2022!
BIANCA PEDRINA, NA PERIFA, EM 2021
- Nós, Carolinas: a importância de mulheres das periferias narrarem suas histórias
- Ser mulher em um país machista é trazer marcas de violência só por existir
- Está muito difícil menstruar e ser mulher neste país
- Bonita, competente e deprimida: positividade tóxica
- Tudo bem não dar conta: vamos falar da carga mental das mulheres
- Saí da periferia, mas a periferia não saiu de mim