17 abril 2023 em Saúde
Porta de entrada para atendimento na rede municipal são as Unidades Básicas de Saúde
Ao retomar as atividades depois dos meses de confinamento durante a pandemia de covid-19, a psicomotricista e neuropsicopedagoga Monique Mayumi Kamada encontrou dificuldades na socialização. Compromissos como almoços com colegas de trabalho ou amigas e reuniões familiares passaram a exigir muita energia e resultar em dias de isolamento e repouso para que pudesse se recuperar.
O que foi inicialmente tratado como um quadro de depressão revelou ser, na verdade, um diagnóstico de transtorno do espectro autista (TEA) nível 1 de suporte, que Monique recebeu aos 51 anos de idade. Estavam explicados, por fim, fatores como seus círculos de amizade diminutos, o armário que mantinha trancado na adolescência para que ninguém da família desorganizasse suas roupas e a seletividade alimentar na infância.
Com o diagnóstico, ficou mais claro para Monique quais adaptações seriam necessárias para viver com mais conforto. Mesmo com essa nova camada de autoconhecimento, a falta de informação das pessoas em seu redor sobre o autismo cria situações em que ela se sente “invisibilizada”.
“Em alguns serviços, as pessoas querem que eu me enquadre no formato de outros educadores dos cursos, sem entender que a previsibilidade e ter uma rotina são primordiais para meu funcionamento. Parece que me acham ‘menos autista’ por eu ser funcional para muitas coisas, mas o nível de suporte não muda o transtorno”, exemplifica ela, que também atua como professora de pós-graduação.
Transtorno do espectro autista
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Quero receber!O transtorno do espectro autista é, na definição do Ministério da Saúde, um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por prejuízo na comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos (estereotipias) e, muitas vezes, repertório restrito de interesses e atividades — chamados de hiperfocos.
Por se tratar de um espectro, o autismo se manifesta de forma diferente de pessoa para pessoa, com comprometimento variado nas áreas da comunicação, socialização e comportamento. A condição é classificada em nível 1, 2 ou 3 de suporte, que considera o nível de necessidade de suporte, apoio e adaptações para a vida cotidiana de cada uma.
O diagnóstico do TEA deve ser realizado por uma equipe interdisciplinar composta por médicos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psicólogos e considerar os diversos níveis de suporte. Em São Paulo, a porta de entrada para a realização desse diagnóstico é a Unidade Básica de Saúde (UBS), que por meio da avaliação médica e da equipe multidisciplinar aciona os serviços especializados de referência, como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e os Centros Especializados em Reabilitação (CERs), para o apoio diagnóstico e acompanhamento compartilhado.
Segundo a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), nesses serviços especializados são elaborados os Planos Terapêuticos Singulares (PTS) que preveem condutas terapêuticas específicas para cada paciente, de acordo com as necessidades de cada caso.
Diagnóstico precoce
De acordo com o Ministério da Saúde, o diagnóstico precoce do TEA permite o desenvolvimento de estímulos para maior independência e qualidade de vida das crianças autistas. Em muitos quadros dessa condição, os sinais são percebidos ainda na infância, com base em observações dos pais, nas consultas de acompanhamento do desenvolvimento infantil ou nas percepções de profissionais da escola.
Quando identificado um possível caso de autismo nas unidades escolares municipais, a equipe da unidade educacional emite um relatório pedagógico sobre o desenvolvimento da criança. Então, orienta a família a procurar a UBS de referência para dar encaminhamento na investigação.
Nos casos em que se confirma o autismo ou outro diagnóstico, o laudo é encaminhado para o Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão (Cefai) da Diretoria Regional de Ensino, que faz o encaminhamento da equipe multidisciplinar para a inclusão e desenvolvimento do estudante.
Diagnóstico na vida adulta
Ainda que boa parte dos casos de autismo seja identificado nos primeiros anos de vida, crescem os relatos de pessoas diagnosticadas apenas depois de adultas. Os sinais tendem a passar ainda mais despercebidos em meninas e mulheres, motivo pelo qual ações de conscientização sobre o transtorno têm abordado as especificidades dessas características nesse público.
Segundo pesquisas, as mulheres mostram maior necessidade e interesse pela socialização e desenvolvem maior capacidade de camuflar as características diagnósticas — um processo que recebe o nome de masking. Para Monique, isso ajuda a explicar seu diagnóstico tardio:
“Eu era uma menina muito boazinha, quietinha. Tinha algumas manias e gostava das coisas em uma rotina, mas sempre fui obediente, e acho que por não ter dado trabalho isso não chamou a atenção dos meus pais ou da escola”, reflete.
Segundo a neuropsicóloga Joana Portolese, coordenadora do Programa de Transtornos do Espectro Autista (Protea) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP), é comum que a procura do diagnóstico na vida adulta se dê devido a alguma comorbidade, como foi o caso de Monique.
“Existem comorbidades muito frequentes nos autistas adultos, como a depressão, ansiedade, transtorno borderline e transtornos alimentares. Isso porque eles vão aprendendo padrões, como ler situações sociais, como camuflar essa dificuldade de socialização, só que isso tem um custo de saúde mental”, explica Joana.
Os direitos da pessoa com autismo
De acordo com a Lei 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção aos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, estão entre os direitos fundamentais das pessoas com TEA o acesso a lazer, educação e saúde, o que inclui o diagnóstico, atendimento multiprofissional, nutrição adequada e medicamentos. A lei também prevê o atendimento prioritário nos sistemas de saúde pública e privada.
Os autistas estão enquadrados no Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) e são contemplados com direitos como o Bilhete Único Especial da Pessoa com Deficiência, para transporte gratuito em veículos públicos municipais (ônibus, micro-ônibus) e metropolitanos (metrô e CPTM). Para solicitar o benefício, é preciso reunir a documentação necessária e procurar um dos Postos de Atendimento indicados aqui.
Também são assegurados o direito a liberação do Rodízio Municipal de Veículos, isenção de IPI e ICMS na compra de um veículo novo, vaga especial de estacionamento por meio do cartão DeFis, meia-entrada e fila preferencial. No caso da meia-entrada, o direito vale para a pessoa autista e um acompanhante, em eventos artístico-culturais e esportivos como museus, parques, shows, cinemas e jogos. Esse direito não está vinculado à renda da pessoa com deficiência e é assegurado independente do nível de suporte do diagnóstico.
No âmbito educacional, a Secretaria Municipal de Educação informa que “trabalha com a Educação Inclusiva, que tem o objetivo de assegurar o acesso, permanência, participação plena e a aprendizagem de bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas habilidades ou superdotação nas unidades educacionais e espaços educativos da Pasta”.
A rede municipal conta com cerca de 4 mil funcionários atuando em Educação Especial, entre Professores de Apoio e Acompanhamento à Inclusão (PAAI), Professores de Atendimento Educacional Especializado (PAEE), Auxiliar de Vida Escolar (AVE) e estagiários do programa Aprender Sem Limites. Segundo a SME, também são oferecidos atividades e recursos pedagógicos e de acessibilidade como as Salas de Recurso Multifuncionais, que atendem estudantes com deficiência auditiva, física, intelectual, visual, múltipla ou TEA.
Onde buscar diagnóstico de autismo em São Paulo
Além do encaminhamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), avaliações para diagnóstico do TEA podem ser realizadas por psiquiatras, neurologistas, neuropediatras e psicólogos especializados, de forma particular ou por planos de saúde. O laudo diagnóstico precisa ser emitido por um médico.
Na cidade de São Paulo, outros dois serviços públicos realizam o diagnóstico de autismo. O Protea, coordenado por Joana Portolese, foi criado em 2011 e realiza avaliação em crianças e adolescentes até 17 anos de idade. A fila de espera para o atendimento é de cerca de quatro meses e, para agendar triagem para diagnóstico, é preciso enviar um e-mail para autismo.usp@hc.fm.usp.br.
Já no Ambulatório de Cognição Social Marcos Mercadante (Teamm), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), são avaliadas pessoas de qualquer faixa etária, a partir dos seis meses de idade. A lista de espera atualmente é de pelo menos seis meses e as inscrições estão sujeitas à disponibilidade das vagas. As consultas para diagnóstico ocorrem nas segundas-feiras, de forma presencial na sede do ambulatório, na Vila Mariana.
Raisa Toledo