29 junho 2023 em Assistência Social

Além de acolhimento, organização oferece espaços de vivência comunitária e missas em diferentes idiomas

Cerca de 28 mil migrantes e refugiados passam pelas instalações da Missão Paz a cada ano, seja para frequentar as missas, celebrar com conterrâneos e aprender português, seja para buscar atendimento jurídico e psicossocial.

A entidade filantrópica fica na Baixada do Glicério, junto à Igreja Nossa Senhora da Paz, na região central, e atua em diálogo com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) e outros equipamentos — tais como a Unidade Básica de Saúde (UBS) da região, escolas e creches.

Segundo dados da instituição, no ano passado foram atendidas pessoas de 67 nacionalidades diferentes. Entre os maiores grupos estão 3 mil haitianos, 1.319 angolanos, 659 venezuelanos, 561 bolivianos e 491 afegãos. A estimativa é que 8 mil pessoas por ano buscam algum tipo de auxílio, enquanto cerca de 20 mil usam os espaços disponíveis para reuniões, festas, ensaios e confraternizações.

A peruana Elvira Gonzales é uma delas. Ela chegou ao Brasil em 2005, acompanhando uma amiga que seguiria, depois, para os Estados Unidos. Acabou permanecendo e começou a trabalhar em um salão de beleza. “Um dia, o dono me disse que tinha a “igreja dos latinos”, que eles se reuniam e havia festas, eventos”, lembra. Decidiu conhecer e passou a frequentar a igreja e os almoços, em que eram vendidos alimentos de diferentes nacionalidades.

Em 2009, com a sanção da Lei da Anistia Migratória  — que autorizou a regularização provisória de estrangeiros que haviam chegado até 1º de fevereiro —, mais de 12 mil latino-americanos procuraram a entidade para informações sobre a regularização de documentos. “O padre precisava de uma pessoa para ajudar. Eu vim por quatro meses, ajudava a preencher as fichas e ele me perguntou que profissão eu tinha. Contei que tinha sido secretária no Peru.”

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Ela, que também era participante ativa em sua igreja no país de origem e tinha experiência com trabalho voluntário, continuou ajudando, várias vezes na semana, até que recebeu uma bem-vinda proposta de emprego na Missão Paz. “Nos outros lugares eu não tinha registro, era cabeleireira, cuidava de uma senhora de noite e fazia faxina, fiz isso por muitos anos”, relata ela, que trabalha no local até hoje.

Crédito: Divulgação/Missão de Paz

 

Missão Paz

O padre Paolo Parise é um dos três diretores da instituição filantrópica, onde está desde 2010. Ele veio do norte da Itália, próximo à cidade de Pádua, e já havia trabalhado com populações migrantes antes: teve contato com filipinos, latino-americanos e pessoas do norte africano, em países como Itália, Suíça e Alemanha. É a terceira vez que mora no Brasil e, em 1998, atuou por nove anos no Grajaú, na zona sul de São Paulo, com migração interna.

Segundo ele, o tema é, apesar de histórico, um fenômeno “extremamente atual”. “Hoje em dia tem a questão climática e a questão migratória, que são importantíssimas. Aqui ainda não sentimos diretamente, mas as projeções deixam ver que isso será um problema maior no futuro”, afirma, referindo-se ao deslocamento forçado de populações em decorrência das mudanças climáticas.

Padre Paolo conta que os serviços oferecidos passaram por uma expansão na última década. Hoje, é possível acessar atendimento jurídico, psicológico, de saúde, aulas de português e orientações para regularização de documentos na Polícia Federal — atendimento procurado por uma média de 4 mil pessoas por ano. O efetivo da instituição tem 35 colaboradores contratados em regime CLT e 100 voluntários; entre eles, 30 professores e 17 médicos.

Crédito: Divulgação/Missão de Paz

 

“Nos últimos 10, 15 anos, a Missão Paz lidou com fluxos migratórios muito grandes, acompanhando e colaborando com o governo e as agências da ONU desde o início”, diz sobre as ondas migratórias vindas do Haiti, Síria, Venezuela, Afeganistão e Angola. “A pessoa quando chega aqui está desorientada, não tem um lugar com todos os serviços que nós temos aqui. A gente informa, fala com ela como se fosse uma amiga, para que ela sinta que também tem uma casa aqui”, resume Elvira.

Também integra a rede de atendimento uma casa de acolhida, a Casa do Migrante. O abrigo tem capacidade para até 110 pessoas e pode ser usado como endereço para correspondência dos moradores, que recebem roupas, material de higiene, alimentação e acompanhamento das assistentes sociais. Faz parte da estadia a possibilidade de participar de palestras formativas e encaminhamento para cursos profissionalizantes.

Trabalho comunitário

No dia a dia, faz parte da política da equipe manter a postura acolhedora e estar preparada para a pluralidade cultural e linguística. “O que era válido para os paraguaios, não é válido para os afegãos”, exemplifica o diretor. De acordo com Elvira, essa diversidade está entre as coisas que mais marcou sua trajetória na instituição.

“Quando chegaram os haitianos, foi algo bem marcante. Não falamos a língua, mas preparamos almoço e café da manhã para atender a essas pessoas.” A diferença linguística, para ela, não é um obstáculo incontornável. “A gente aprende uma ou outra palavra em créole, em francês, mas todo mundo consegue se entender”, afirma.

Na igreja, a solução foi celebrar as missas em diferentes idiomas. Todos os domingos, às 11h, é falado italiano — já, no segundo domingo do mês, às 12h, é a vez do francês. No quarto sábado do mês, às 12h, fala-se espanhol e, por fim, no terceiro domingo, às 12h, inglês. Fazem parte da Igreja Nossa Senhora da Paz a comunidade italiana, latino-americana, haitiana, filipina e a do bairro do Glicério.

Para a Baixada do Glicério, à qual se dedica uma das assistentes sociais, também estão disponíveis todos os atendimentos prestados. “Temos parcerias com a UBS, que muitas vezes precisa dos nossos espaços, com escolas, creches, e catadores de recicláveis. Tem bastante atuação com o entorno”. Entre as maiores demandas da região, estão a violência nas escolas e a questão do lixo, que, acumulado nas ruas, costuma causar alagamentos em dias de chuva.

A Missão Paz faz parte da Rede Internacional de Migração Scalabrini (SIMN, na sigla em inglês), fundada pela Congregação dos Missionários de São Carlos  — chamados de scalabrinianos —, e tem buscado novas formas de atuar com o poder público. “Contribuímos na nova Lei de Migração, de 2017, a Política Municipal para a População Imigrante, de 2016, estamos no Conselho Municipal de Imigrantes (CMI) e colaborando em Brasília, com a política migratória”, explica o padre Paolo Parise.

Atualmente, cerca de 360 mil imigrantes, de um total de 197 nacionalidades, residem na cidade de São Paulo. Dentre essa população, a maior comunidade é a boliviana, com estimadas 70 mil pessoas, seguida por portugueses, chineses, japoneses, italianos, haitianos, espanhóis, sul-coreanos, argentinos e peruanos.

Serviço: Missão Paz

Endereço: Rua do Glicério, 225 – Liberdade

Telefone: (11) 3340-6955

Formulário de contato: missaonspaz.org/contato/

Site: missaonspaz.org/

Raisa Toledo