16 julho 2023 em Meio Ambiente

Maior parte do que é produzido em hortas comunitárias é comercializado na vizinhança

Com cerca de 28 mil prédios com mais de 20 metros, São Paulo é predominantemente verticalizada, ou seja, tem mais prédios que casas. Ainda assim, 28% de seu território têm características rurais, segundo o Plano Municipal de Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável. Um mapeamento da Sampa+Rural, plataforma da Prefeitura da Cidade de São Paulo, contabiliza que existam mais de mil áreas de cultivo distribuídas por toda a cidade.

Cerca de 80% da área com características rurais na Capital fica na zona sul, onde estão 571 das unidades de produção agropecuária levantadas pela Sampa+Rural. Em segundo lugar está a zona leste, com 126. Em muitas dessas áreas, famílias vindas do interior do estado e de outras partes do país preservam o hábito do cultivo de alimentos e plantas medicinais.

Assim é nas terras cultivadas pelos produtores que formam a Associação de Agricultores da Zona Leste (AAZL), que tem associados nas regiões de São Miguel Paulista, Guaianases, São Mateus, Itaquera e Cidade Tiradentes. A organização, que conta com 12 hortas, começou em 2004, em São Mateus, com reuniões em que os agricultores trocavam experiências e davam os primeiros passos para fortalecer sua representação como grupo.

Histórias

A pernambucana Sebastiana de Farias, de 72 anos, foi uma das pioneiras na movimentação e ajudou a fundar a AAZL junto com o marido, Genival de Farias, falecido em 2017. “Era um grupo pequeno, isolado, mas que não parava de produzir. Quando junta, enriquece muito a gente que trabalha com essas coisas diferentes, que precisa aprender a fazer adubos que não são agressivos.  Então, a coisa cresceu”, diz.

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Em São Mateus, ela tem sua horta no mesmo terreno há 12 anos, e conta que, no momento, colhe-se alface, salsinha, coentro, couve, almeirão, beterraba e cenoura. Também há as PANCs (Plantas Alimentícias Não-Convencionais) azedinha e peixinho-da-horta e ervas como hortelã, melissa e capim-santo.

Segundo a agricultora urbana, apesar de os associados trabalharem em locais distantes um dos outros, a troca de experiências constante traz a sensação de proximidade: “Pelo celular a gente fala sobre as dificuldades, manda fotos, participa das plantações”.

Representação e solidariedade

A psicóloga Regiane Nigro faz parte da AAZL e é vizinha de dona Sebastiana. Contribui, principalmente, sugerindo novos projetos, pesquisando e intermediando o acesso a políticas públicas e trazendo pautas para as reuniões mensais, que ocorrem de forma rotativa entre as hortas.

Embora os associados participem, eventualmente, de feiras como a do Parque do Carmo e a Feira Orgânica de Itaquera, na avenida Maria Luiza Americano, a maior parte da comercialização dos alimentos é feita nas hortas para vizinhos, amigos e membros da comunidade. Também existe uma parceria recente com as creches conveniadas do Município, que podem comprar diretamente dos agricultores.

Diferente de uma cooperativa, as hortas são independentes para desenvolver seus próprios modelos de gestão e aplicar seus próprios preços. “Como associação, o principal objetivo é trocar ideias, técnicas, trabalhar na segurança fundiária, ter uma representação política, ajudar quando alguém está doente. É mais a questão da solidariedade”, relata Regiane.

O perfil dos agricultores é predominantemente de idosos e mulheres. Muitos já estão aposentados, mas há quem tire da terra a principal renda da casa  — e muitos geram empregos, contratando mão de obra para o cultivo. Os associados da AAZL praticam a agroecologia, técnica baseada em princípios como o respeito aos ciclos ecológicos, o comércio justo e as metodologias participativas, além do foco no aproveitamento dos recursos naturais e na preocupação com as condições de trabalho dos produtores.

A organização também mantém parcerias com instituições do terceiro setor, programas municipais e universidades. Por meio de parceria com a ONG Instituto Kairós, as sobras da colheita podem ser compradas e destinadas a cozinhas comunitárias espalhadas pela periferia paulistana. “A gente consegue distribuir isso da melhor forma e remunerar o agricultor”, explica a psicóloga.

Já um grupo da Universidade de São Paulo tem ensinado o funcionamento de um novo tipo de compostagem, técnica que transforma resíduos orgânicos da comunidade em adubo para as hortas. O processo aproveita materiais como cascas de verduras, folhas, galhos e pó de café.

Alimentação saudável

Na zona leste, a maioria das áreas de atividade agrícola fica embaixo de linhões de transmissão elétrica, formando uma espécie de “cinturão verde” de produção de hortaliças e verduras. “A gente gera um microclima melhor com as hortas e melhora a drenagem urbana com o aumento da penetração de água”, conta Regiane. “E, com relação ao mercado, não tem outro lugar que você possa comprar orgânicos em São Mateus”, exemplifica.

Uma pesquisa desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) identificou que, durante a pandemia, a preocupação com a alimentação saudável aumentou na cidade de São Paulo.

O levantamento foi realizado com agricultores e consumidores de alimentos agroecológicos e indica que 24% dos entrevistados começaram a consumir orgânicos motivados pelas circunstâncias do período pandêmico. Entre os motivos para a mudança de hábitos alimentares estão a preocupação com a saúde (84%), o aumento dos conhecimentos sobre o impacto dos agrotóxicos (32%) e a vontade de apoiar e valorizar a agroecologia e as práticas sustentáveis (24%).

Com a valorização do tema, as hortas e agroflorestas têm atraído também o interesse de pessoas mais jovens. Alguns têm procurado a AAZL para aprender com os agricultores mais experientes. “A gente veio da terra, eu já nasci dentro do campo, trabalhando, mas é importante mostrar para eles que a terra é a mãe que dá tudo para a gente comer, que precisa de cuidado para o alimento vir saudável”, reflete Sebastiana.

Para a agricultora, consumir alimentos como os plantados pelos membros da AAZL é uma forma de viver com mais qualidade e construir uma cidade melhor. “As pessoas que moram perto de uma horta e têm consciência do alimento que vem dali, não vão longe comprar. Evitam gastar gasolina ou ficar no trânsito e pegam a verdura tirada ali, no momento e levada pra casa”, enfatiza.

Para saber onde ficam as hortas da AAZL: agricultoreszonaleste.org.br/nossas-hortas/

 

Raisa Toledo