Na contramão do mundo, o número de crianças imunizadas no Brasil está diminuindo e a carteirinha de vacinação dos adultos também está desatualizada. Os primeiros sinais de queda nas coberturas vacinais em todo o País começaram a surgir ainda em 2016. De lá para cá, doenças já erradicadas voltaram a ser motivo de preocupação.
Para entender o cenário (e ajudar todo mundo a se cuidar), listamos perguntas e respostas importantes sobre a prevenção de doenças por meio de vacinas.
A QUEDA NA VACINAÇÃO É UM FENÔMENO GLOBAL?
O mundo registrou no ano passado um recorde de crianças vacinadas – 123 milhões, de acordo com dados divulgados pelo Unicef e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – uma alta que ocorre tanto por aumento da população quanto de cobertura vacinal. O Brasil, porém, teve queda na porcentagem de crianças vacinadas nos últimos três anos.
- A cobertura da vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola), que estava estável e próxima a 100% no Brasil até 2014, baixou para 96,1% em 2015 e seguiu em queda, passando para 95,4%, em 2016, e apenas 85% no ano passado.
- A pólio, erradicada no Brasil, teve 95% de crianças imunizadas em 2015 contra 84,4% em 2016, chegando a apenas 78,5% em 2017.
- Também houve queda na cobertura da DTP, que protege contra difteria, tétano e coqueluche. Estava acima de 90% até 2015. Caiu para 89,5% em 2016 e 78,2% em 2017.
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O BRASIL NÃO TEM BOA COBERTURA VACINAL?
Na verdade, tem. Cristina Albuquerque, chefe de saúde, HIV e desenvolvimento infantil do Unicef no Brasil, pondera que a melhora observada em níveis globais têm de ser analisada pelo prisma de que os níveis iniciais eram muito baixos. Por exemplo, a cobertura global contra sarampo e rubéola cresceu de 35% em 2010 para 52% em 2017.
“O Brasil tinha um ponto de partida bem diferente, muito mais à frente. Tem uma tradição gigante, conseguiu erradicar a pólio. Sempre fez grandes campanhas. A contra a rubéola, em 2008, por exemplo, foi a maior do mundo, com mais de 60 milhões de pessoas imunizadas”, diz Cristina. “Mas agora as coisas mudaram. Se em 2013, o País estava quase todo com cobertura adequada, hoje temos somente dois Estados que podem ser considerados assim: Rondônia e Ceará. É extremamente preocupante, porque a pólio não está erradicada no mundo, então pode voltar.”
POR QUE AS COBERTURAS ESTÃO BAIXAS?
O problema, dizem autoridades e especialistas, não é a produção. “Quando doenças estão erradicadas, com elas vai o medo e a percepção do risco”, diz a pediatra Isabella Ballalai, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). “Os pais das crianças de hoje nunca viram sarampo ou pólio. Eles mesmos foram vacinados na infância.”
Para Pedro Bernardo, da Interfarma (que reúne laboratórios privados de produção de vacinas), médicos e farmácias deveriam entrar mais nas campanhas. “E os planos de saúde deveriam cuidar dos beneficiários, focando na prevenção.”
O PROBLEMA É SÓ COM CRIANÇAS OU ADULTOS TAMBÉM?
A aplicação de todas as vacinas do calendário adulto está abaixo da meta no Brasil, incluindo a dose que protege contra o sarampo. Entre as crianças, em 2017, só a BCG, que protege contra a tuberculose e é aplicada ainda na maternidade, atingia a meta de 90% de imunização.
QUAIS SÃO AS DOENÇAS QUE VOLTAM A PREOCUPAR?
Sarampo, poliomielite, rubéola, difteria (leia sobre o sarampo abaixo).
HÁ O RISCO CONCRETO DE RETORNO DAS DOENÇAS?
Sim. Em todo os casos, considera-se uma proteção adequada quando a cobertura está em 95%. Abaixo disso, há risco de retorno das doenças.
HÁ PESSOAS QUE SÃO CONTRÁRIAS À VACINAÇÃO. POR QUE?
Embora o Brasil tenha um dos mais reconhecidos programas públicos de vacinação do mundo, com os principais imunizantes disponíveis a todos gratuitamente, ganham força no País grupos que se recusam a vacinar os filhos ou a si próprios. Esses movimentos estão sendo apontados como um dos principais fatores responsáveis por um recente surto de sarampo na Europa, onde mais de 7 mil pessoas já foram contaminadas.
No Brasil, os grupos são impulsionados por meio de páginas temáticas no Facebook que divulgam, sem base científica, supostos efeitos colaterais das vacinas. “Isso preocupa e causa um alerta para nós porque são doenças imunopreveníveis, que podem voltar a circular se a cobertura vacinal cair, principalmente em um contexto em que temos muitos deslocamentos entre diferentes países”, diz João Paulo Toledo, diretor do Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, que ressalta que todas as vacinas oferecidas no País são seguras.
DE ONDE VÊM AS INFORMAÇÕES CONTRA AS VACINAS?
A disseminação de informações contra as vacinas ocorre principalmente em grupos de pais nas redes sociais. O Estado encontrou no Facebook cinco deles com mais de 13 mil pessoas. Nesses espaços, são compartilhadas notícias publicadas em blogs, a maioria de outros países e em inglês, sobre as supostas reações às vacinas – por exemplo, relacionando-as ao autismo. Os pais também trocam informações para não serem denunciados, como não informar aos pediatras sobre a decisão de não vacinar os filhos, e estratégias que eles acreditam que garantiram imunização das crianças de forma alternativa, com óleos, homeopatia e alimentos.
QUEM TEM RAZÃO?
Especialistas ressaltam que a decisão de não vacinar não traz consequências apenas individuais: a queda na cobertura vacinal pode causar problemas de saúde pública. “Imagine se 5% da população deixar de tomar a vacina a cada ano. Isso forma um nicho de pessoas suscetíveis a doenças que, caso contaminadas, podem infectar mais gente”, alerta Guido Carlos Levi, da SBIm.
POR QUE O ADULTO PRATICAMENTE NÃO TOMA VACINA?
Segundo Isabella Ballalai, presidente da SBIm, falar de vacina para os adultos não é uma rotina, como é na pediatria.
SOU ADULTO E PERDI A CARTEIRA DE VACINAÇÃO. O QUE EU FAÇO?
Isabella diz que quem perde a caderneta fica sem as informações e precisa fazer todo o esquema vacinal de novo. A recomendação é vacinar, porque não traz nenhum problema.
A NÃO IMUNIZAÇÃO DE ADULTOS PODE INTERFERIR NAS DOENÇAS ENTRE CRIANÇAS?
Sim. Segundo Isabella, quase todos os óbitos em bebês de até 3 meses por coqueluche acontecem após eles pegarem a doença de um adulto não vacinado. A vacinação faz proteção coletiva. “Como o sarampo pode voltar a ocorrer no Brasil? Por meio dos adultos não vacinados.”
BRASIL TEM SURTOS DE SARAMPO
O Brasil tem 677 casos confirmados de sarampo. Os dados sobre a doença foram atualizados no dia 18 de julho pelo Ministério da Saúde. Segundo a pasta, o País enfrenta dois surtos: um em Roraima e outro no Amazonas – regiões mais atingidas pelo vírus.
COMO SE PEGA O SARAMPO?
O sarampo é uma doença viral e contagiosa. “O paciente adquire a doença por partículas respiratórias e nem sempre quem transmite está com sintomas”, diz Filipe Piastrelli, infectologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. “O vírus pode entrar pela conjuntiva do olho ou pelas mucosas, começa a se multiplicar e chega à circulação sanguínea, quando atinge o maior potencial de transmissão.”
QUAIS SÃO OS SINTOMAS DO SARAMPO?
O primeiro é a febre, que quase todos os pacientes têm. Depois de um ou dois dias, tem início um quadro com tosse, coriza e conjuntivite. Só depois aparecem as lesões na pele. “A incubação dura de sete a 21 dias, mas a pessoa começa a transmitir cinco dias antes de aparecerem os sintomas e continua transmitindo por cinco dias”, explica o infectologista do Sabará Hospital Infantil Francisco Ivanildo de Oliveira Júnior.
COMO É FEITO O DIAGNÓSTICO?
Por exames clínicos e laboratoriais.
QUEM TEM SARAMPO DEVE FICAR ISOLADO?
Sim. Como é uma doença contagiosa, ele deve evitar o contato com outras pessoas e, caso receba visitas, elas devem usar máscaras.
A VACINA É EFICAZ PARA EVITAR A DOENÇA?
“É uma vacina boa, com mais de 90% de eficácia. A proteção plena vai ocorrer de dez a 14 dias”, diz Oliveira Júnior.
QUALQUER PESSOA PODE TOMAR A VACINA?
Não. Assim como a vacina da febre amarela, ela é feita com vírus vivo atenuado. Ela não é recomendada para gestantes, bebês com menos de 1 ano e pacientes imunodeprimidos. “A primeira escolha é fazer a vacina, se a pessoa tem alguma contraindicação, faz a imunoglobulina, que tem anticorpos formados e reduz formas graves da doença”, explica Piastrelli.
QUANTAS DOSES DEVEM SER TOMADAS?
Tanto o Ministério da Saúde quanto a Organização Mundial da Saúde recomendam duas doses durante a vida. No Brasil, as doses são aplicadas com 12 e 15 meses de vida. Caso a pessoa só tenha tomado uma dose, deve tomar a segunda até os 29 anos. Se nunca tomou até essa idade, só será necessário tomar uma dose entre os 30 e os 49 anos.
PESSOAS QUE TIVERAM CONTATO COM PACIENTES INFECTADOS TAMBÉM SÃO BENEFICIADAS PELA VACINA?
Se tomada até 72 horas após o contato, a vacina é capaz de reduzir formas mais graves da doença. Mas as ações de bloqueio sempre devem ser realizadas.
CAMPANHA NACIONAL
O Ministério da Saúde deve fazer uma campanha de vacinação na rede pública entre os dias 4 e 31 de agosto. A ação vai se concentrar principalmente na prevenção de sarampo e poliomielite. Segundo o governo, não há problemas de produção de imunizantes. Para a campanha deste ano, já estão disponíveis 15,5 milhões de doses da tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) e outras 11 milhões da pólio.