Negros e negras representam 48% da população da cidade do Rio de Janeiro e são alvo de 63% das abordagens feitas por agentes de segurança pública no município. As informações são da pesquisa Elemento Suspeito — Negro Trauma: Racismo e Abordagem Policial no Rio de Janeiro.
Apresentado nesta terça-feira, 15 de fevereiro, o relatório mostra que 17% das pessoas paradas pela polícia passaram por interpelação do tipo mais de 10 vezes na vida. Dos que tiveram um parente ou amigo morto pela polícia, 74% são negros.
Coordenada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), a pesquisa voltou às ruas quase 20 anos depois da primeira edição. O resultado traz dados inéditos e mostra que o racismo segue presente na atividade policial e no sistema de justiça criminal, além de revelar os traumas causados à população negra por essas abordagens.
DESTAQUES DO RELATÓRIO DO CESEC 63% das abordagens são feitas com pessoas negras 68% das pessoas abordadas a pé são negras 17% das pessoas abordadas já foi parada mais de 10 vezes 79% dos que tiveram sua casa revistada pela polícia eram negros 74% dos que tiveram um parente ou amigo morto pela polícia são pessoas negras Fonte: Relatório Elemento Suspeito, ed. 2022
Como foi feita a pesquisa — Ao Expresso na Perifa, o pesquisador Pedro Paulo explica que o levantamento ocorreu em duas etapas. A primeira foi quantitativa: a equipe perguntou a 3.500 pessoas em pontos de fluxos da cidade se elas já tinham sido abordadas pela polícia; 740 disseram que sim. Dessas 62,58% eram pessoas negras, 30,59% brancas e 6,8% não brancas e não negras. Depois da resposta, os participantes passaram por entrevistas detalhadas feitas pelo Instituto Datafolha.
A segunda parte do levantamento foi qualitativa e entrevistou participantes dos chamados grupos focais: jovens negros de favelas, entregadores, motoristas de aplicativos, mulheres negras de favela, jovens brancos de classe média e policiais.
O conjunto do trabalho revelou o perfil predominante de pessoas consideradas reiteradamente suspeitas pelos policiais e escolhidas para as abordagens. “É possível identificar que as pessoas paradas já esperam por isso”, diz Pedro Paulo. “Isso é muito interessante, pois mostra o quanto ser parado muitas vezes se torna uma violência psíquica que fica entranhada no emocional e no sentimental da pessoa negra”, relata. “Quando não são paradas, elas sentem que o dia foi estranho.”
Os resultados confirmam que não são isolados casos como o do jovem Yago Corrêa de Souza, preso ao comprar pão no Jacarezinho, e do vendedor de balas Iago Macedo, morto a tiros por um PM de folga.
As pessoas paradas já esperam por isso. Ser parado muitas vezes se torna uma violência psíquica que fica entranhada no emocional e no sentimental da pessoa negra. Quando não são paradas, elas sentem que o dia foi estranho (Pedro Paulo, pesquisador do Cesec)
Negro e morador do bairro Cordovil, zona norte da cidade, o professor de história Paulo Jorge conta que já sofreu racismo da polícia. Quando tinha 20 anos, Paulo saiu da casa de sua namorada na comunidade do Pica-Pau, também na zona norte, e percebeu uma operação policial. “Assim que eu saí do beco que dava para rua principal, uma patrulha me abordou, sendo que os caras foram totalmente ignorantes. Eles me mandaram encostar na parede e me deram tapas”, relata.
De acordo Paulo, no momento em que perceberam que ele não tinha envolvimento com o tráfico, os policiais pediram desculpas e que entrasse na viatura, porque eles o levariam para casa. “Senti um tom ameaçador. Fiquei no meio de dois sargentos e o clima não foi legal. Eles me disseram para não passar [adiante] o que aconteceu comigo”, diz Paulo. Do mesmo beco, o professor conta que tinha saído “um cara do movimento [tráfico de drogas], mas ele era branco”. A patrulha deixou ele passar e parou o professor. “Até hoje, olho para um policial militar e não consigo sentir confiança na corporação. Prefiro passar longe.”
Esse sentimento negativo em relação à polícia do Rio não é exclusividade de Paulo. A pesquisa do Cesec revela que a PM foi a força de segurança com a pior avaliação entre os entrevistados — teve nota 5,4, ficando atrás da Guarda Municipal (5,6), de vigilantes e seguranças particulares (6,2), da Polícia Civil (7,1), da Polícia Rodoviária (7,8), do Exército (7,8), Polícia Federal (8,2) e do Corpo de Bombeiros (9,2).
A revista física, procedimento em que um indivíduo é obrigado a colocar as mãos na parede e tem seu corpo apalpado em busca de armas e drogas, foi aplicada em 50% dos respondentes do estudo. Desses, 69% eram negros e 70% moradores de favelas e bairros de periferia.
“Já fui abordado com amigos brancos e sempre notei que a forma da revista dos caras brancos era mais suave. No meu caso, eles [os policiais] mandaram tirar a calça e bater o tênis na parede para ver se tinha alguma coisa dentro”, avalia o produtor cultural Júlio Barroso. “A gente sabe que a polícia é racista. A gente sabe que existe uma recomendação implícita de que todo preto é suspeito.”
O “elemento suspeito”, aquele que segundo policiais tem potencial para ser criminoso, tem “bigodinho fininho e loirinho, cabelo com pintinha amarelinha, blusa do Flamengo, boné”, diz um trecho da pesquisa.
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A maioria da população brasileira é de descendentes de afro, suas variações e índios,
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