O nome pode ser difícil, mas a energia de Walelasoepilemãn, mais conhecida como Pi Suruí, é contagiante. Integrante do povo Paiter Suruí, de Rondônia, a fotógrafa de 24 anos faz parte do grupo Mídia Índia, uma das maiores redes de comunicação feita por indígenas. Trabalha também na Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e é cofundadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia.
Como fotógrafa, diz Pi, consegue contar a história do seu povo, que não foi divulgada por eles, e sim por pessoas que não sabem da realidade dos indígenas. “A fotografia e a comunicação são muito importantes. Sempre digo que quem sabe a história dos povos indígenas são os próprios. Quando a gente faz a comunicação, não existe nada, nem ninguém melhor”, explica ela. “A nossa história já foi contada várias vezes por pessoas que não éramos nós, a partir de uma visão que não era a nossa.”
Pi Suruí também comemora os espaços conquistados pelos indígenas, em várias áreas que pareciam inalcançáveis na sociedade brasileira. “Hoje estamos não só na comunicação, como na política, no meio artístico, na música. Isso é algo muito importante, pois isso diz que a gente é capaz, que se a gente quer, a gente consegue. Chega desse preconceito de que a gente não consegue as coisas, chega desse preconceito que a gente é preguiçoso.”
Inspirações – Outra motivação importante para ela é desmistificar os preconceitos e fantasias que muitos ainda têm sobre a rotina dos povos indígenas, que eram os primeiros habitantes dessas terras antes da chegada dos portugueses, em 1500. “Trabalho muito querendo mostrar quem são os indígenas, na realidade mesmo. Somos pessoas que temos celular bom, andamos de carro, sim. Somos pessoas que têm roça [lavoura], que têm seus rituais, que vestimos roupas, somos pessoas que usam tecnologia a favor da floresta”, desabafa Pi Suruí.
Somos pessoas que temos celular bom, andamos de carro, sim. Somos pessoas que têm roça [lavoura], que têm seus rituais, que vestimos roupas, somos pessoas que usam tecnologia a favor da floresta
Para ela, a sociedade brasileira deve colocar ponto final ao “olhar fantasioso que as pessoas têm sobre os povos indígenas”, como aquilo que ela define como a “fantasia que aprendemos na escola, um olhar folclórico de que somos selvagens”, emenda. “As pessoas acham que a gente tem que viver no mato, pelados e todo olhar que a gente sabe que é fruto de um preconceito enraizado.”
As pessoas acham que a gente tem que viver no mato, pelados e todo olhar que a gente sabe que é fruto de um preconceito enraizado
A fotógrafa também quer mostrar Rondônia para o mundo, mas principalmente para o resto do Brasil, que segundo ela, ainda desconhece esse estado que leva muitas riquezas para o país. “Minha fotografia quer dizer quem somos, de onde viemos, para onde vamos e do que somos capazes. Tenho muito orgulho de quem sou, tenho muito orgulho da minha família, do meu povo e das minhas raízes. Aqui em Rondônia chega a ser engraçado que têm poucos comunicadores [indígenas], mas existem. Acho que somos um estado muito esquecido. A gente tá aqui pra mostrar que Rondônia é forte, tem pessoas incríveis, comunicadores incríveis, tem histórias incríveis.”
Caminhada – Pi Suruí participa do 5º Festival Fotografia em Tempo e Afeto, realizado em Porto Velho (RO), que começou no último dia 08 de fevereiro e vai até o dia 27 de março.
Ao Expresso na Perifa, conta que sua carreira foi iniciada em um museu de São Paulo. “Minha primeira exposição foi no MIS [Museu da Imagem e Som em São Paulo], após ganhar um concurso chamado de Fotografia Mobile”, diz. “Tive duas fotos expostas lá. Foi muito legal porque nunca tinha feito nada parecido e tão profissional. Naquela época estava começando e já tive duas fotos expostas no MIS. Eu sabia que era capaz e só tive a certeza do que sou capaz e onde quero chegar.”
A fotógrafa indígena também comenta a oportunidade de fazer parte de um evento que mexe tanto com a realidade dos povos da Amazônia. “Fui convidada pela fotógrafa Marcela Bomfim [criadora do festival] para fazer parte da exposição de fotografia Tempo e Afeto aqui em Rondônia”, diz. “Trabalhando com pessoas incríveis, muitas delas não conhecia. Só tive oportunidade de conhecer agora, com muita diversidade, que é importante dentro do festival de só não escolher um público, mas jovens, indígenas, negros, indigenistas.”
Pi Suruí também fala do orgulho de ter figuras tão inspiradoras para a vida e o trabalho, como o pai, o líder indígena e ambientalista Almir Suruí. “Tenho muito orgulho do meu pai, chefe do meu povo. Foi eleito democraticamente. Desde pequena vejo a luta dele, o trabalho. Tive a oportunidade de acompanhar a trajetória incrível que ele faz. Meu pai é um cara inovador, um cara que pensa à frente do seu tempo.”
Ela também falou sobre a relação próxima que tem com a irmã Txai Suruí, que discursou em inglês na COP-26, realizada em novembro, em Glasgow (Escócia). “Sou irmã da Txai por parte de pai. Vi a Txai crescer. Desde o começo somos muito amigas. Então, minha família é uma família de defensores, de líderes, de ativistas e isso, claro, é muito inspirador pra mim.”
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