No dia 9 de fevereiro a Câmara dos Deputados aprovou, com 351 votos a favor, o projeto de lei 6299/2002, conhecido como PL dos agrotóxicos e PL do veneno, que altera quem controla e quem aprova os agrotóxicos usados no Brasil. Em 2016, a proposta já havia passado, mas, por ter sofrido alterações recentes, ainda deve voltar ao Senado para nova avaliação.
PL é a sigla para projeto de lei. Para entrar em vigor, em última instância depende de sanção do presidente da República (cabe ao Poder Executivo sancionar ou vetar o projeto, no todo ou em partes)
Para entender mais sobre essa proposta, criticada por especialistas e pesquisadores da área de alimentação, o Expresso na Perifa consultou a nutricionista Luana de Lima Cunha, pesquisadora do grupo de pesquisa CulinAfro da Universidade Federal do Rio de Janeiro e residente em Saúde da Família com ênfase em populações do campo no município de Garanhuns, em Pernambuco.
A especialista é enfática: o projeto é um risco para a vida das populações nas periferias e no campo, porque retira do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério do Meio Ambiente e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) o controle de novos agrotóxicos no País, transferindo essa responsabilidade para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Com a mudança, os primeiros ministérios citados podem alertar sobre os riscos de determinadas substâncias, mas não teriam o poder de veto e o papel de fiscalizar empresas e institutos ficaria a cargo somente do Mapa.
A nutricionista afirma ainda que as mudanças desconsideram os impactos dos agrotóxicos na saúde e no meio ambiente, além de expor populações periféricas e do campo aos mais altos níveis de vulnerabilidade, a exemplo de fome e novas doenças. “Esses agrotóxicos a gente já encontra na água, na comida e nos alimentos ultraprocessados e sabe quem são as pessoas que acabam consumindo cada vez mais esses alimentos, que são os mais baratos do mercado”, diz Luana.
É preciso pensar, acrescenta a especialista, em quem são esses trabalhadores e qual a cor deles. “Estão em grandes fazendas, muitas vezes em condições análogas à escravidão, e expostos a uma contaminação direta pelo uso de agrotóxicos em larga escala”, emenda.
Os venenos também são um grande risco às populações tradicionais que lutam pela defesa dos seus territórios seculares (Luana Lima Cunha, nutricionista)
Nomenclatura — Outra mudança no projeto de lei é a nomenclatura. Apesar de a Constituição Federal definir as substâncias como agrotóxicos, o relator do texto, o deputado Luiz Nishimori (PL-PR), alterou o termo para pesticidas com a justificativa de que isso acompanharia uma tendência mundial.
“Estão vendendo uma ideia de modernização e aumento de produtividade que a gente já viveu antes, mas a gente tem sempre que lembrar que isso vem associado à destruição da diversidade alimentar”, alerta Luana.
Em 2020, 55,2% dos domicílios brasileiros tinham moradores em situação de insegurança alimentar, de acordo com o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da covid-19
Os alimentos ultraprocessados são pobres de nutrientes e estão diretamente relacionados à prevalência de doenças crônicas não transmissíveis como diabetes e hipertensão.
Temos diversos estudos que vão associar os modos de produção com o desenvolvimento de câncer, má formação fetal e atrofia muscular (Luana Lima Cunha, nutricionista)
Combate — O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), extinto pelo presidente Jair Bolsonaro em 2019, foi um importante ator no Brasil no que diz respeito à alimentação. Isso faz com que seja ainda mais necessário a população combater o PL dos agrotóxicos estimulando a produção agroecológica, fortalecendo feiras livres e defendendo a Política Nacional de Redução de Agrotóxico (PNAR), afirma a nutricionista ouvida pelo Expresso na Perifa.
“A gente precisa defender o PNAR. Ele visa a redução gradual do uso de agrotóxicos, estimula a produção orgânica e agroecológica, além de proibir a aplicação em áreas de proteção ambiental ou locais com moradia e escolas próximas”, diz Luana.
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