Apresentadora Natalia Sousa conta que o programa é resultado de seu próprio desejo de ouvir sobre derrotas e frustrações, temas muitas vezes tratados como tabu
De fala mansa e cautelosa, utilizando apenas um gravador e a vontade de se expressar, Natália Sousa encontrou no podcast sua “mesa de bar na web” — um modo de expor sentimentos de forma aberta e sincera. Foi durante um churrasco que o amigo Valter Souza, hoje editor do programa, enxergou na percepção de mundo de Natália o potencial de contar histórias e evidenciar que as vulnerabilidades também movem as pessoas. Para Dar Nome às Coisas surgiria, portanto, alimentado pelo incômodo de que, em geral, os discursos na sociedade valorizam a narrativa do vencedor. “Ele veio de um lugar que eu sentia falta de ouvir”, conta a apresentadora.
Sem planejamento estratégico, o primeiro episódio foi criado a partir do medo do fracasso. “Se não der certo, pelo menos vou tirar isso da cabeça”, repetia Natália a si mesma. Depois da estreia, outro receio era o do porvir: o que entregaria nos próximos episódios? ”Meu processo foi tipo aquele sapato que no começo está apertado, mas depois vai laceando e fica confortável.” Nos primeiros passos, a apresentadora não imaginava que o Para Dar Nome às Coisas chegaria aos top 10 nas paradas de podcasts do Spotify Brasil.
Sem reservas — A analogia com a mesa de bar, reproduzida no início desta reportagem, tem origem no estar à vontade para falar, honestamente, sem as máscaras da perfeição impostas pela sociedade. “Na mesa de bar todo mundo está sentado na mesma altura e não é o lugar da palestra”. Ao segmentar o podcast em discursos sobre vulnerabilidades, para além do cunho pessoal, vai na contramão da ideia trabalhada na sociedade do lado vitorioso. Na ideia vendida de que tudo é perfeito. “O que separa o fracasso do sucesso é a tentativa.”
Para Natália, falar sobre medo é humanizar os nossos sentimentos e quem somos. É uma possibilidade de falar consigo mesmo e com multidões ao mesmo tempo. “Eu friso sempre que o Para Dar Nome às Coisas não é terapia, mas como compartilho meu processo, acho que a galera tem insights. Ainda assim, me sinto muito abençoada ao saber que, para algumas pessoas, causa esse efeito.”
A escolha do nome vem, literalmente, da ideia de nomear os temores, aquilo que te faz pensar duas vezes, o frio na barriga, o receio de expressar, de expor as feridas. Narrado em primeira pessoa, os episódios destacam vivências e histórias da própria autora e de pessoas que a inspiram. Para evitar constrangimentos e proteger determinados personagens, Natália preserva suas identidades e busca ser cuidadosa e abordar com responsabilidade o que é dito, porque lida com assuntos sensíveis que podem ser gatilhos para quem estiver ouvindo. “Nunca quero que soe como uma palestra de motivação barata. Por isso sempre faço o convite à reflexão”, acrescenta.
Apesar dos tópicos abordados, ela diz se surpreender porque o programa não tem haters. Os retornos que recebe são de carinho, afeto e identificação. ”Nós, enquanto gente, temos um interesse genuíno na conexão com outro ser humano.” Os comentários que mais intrigantes, diz Natália, são de espanto ao perceberem a apresentadora é negra. “Por que”, pergunta. Ao que ouvintes respondem que é por causa do tom “doce” de sua voz. Para a jornalista, isso é mais um motivo para não abandonar o Para Dar Nome às Coisas e o projeto de falar sobre dificuldades emocionais, das feridas que a moldam. “Esse lugar, dentro de quem ouve, é uma microrrevolução.”
FALAR, OUVIR, ESCREVER “Escrever para mim sempre foi revelador. Uma coisa de nudez na praça pública”, conta a jornalista negra Natalia Sousa, hoje apresentadora do podcast Para Dar Nome às Coisas, sucesso no Spotify. Mas, ainda que sentisse prazer, a insegurança a acompanhava. “Me lembro de escrever textos e publicar no Facebook e não ter coragem de sustentar. Escrever e, cinco minutos depois, apagar." Ao perder a mãe, em 2014, e um ex-namorado, em 2015, Natália apaziguava a dor do luto na escrita, colocando os sentimentos na ponta da caneta. “Acho que [escrever] é o meu melhor lugar. Me dá sentido”, comenta. A paixão pelas palavras existe desde a infância. Quando era pequena, escrevia despretensiosamente e cada um de seus textos era narrado em voz alta para sua mãe. Com lágrimas nos olhos, ela destaca a importância da escuta como ponto crucial, ainda que de modo indireto, para seguir no jornalismo. Conta que herdou do pai a sensibilidade para contar histórias e que atravessamentos de classe e raça não a impediram de ter uma infância feliz. ”Meus pais, para nos proteger da sensação de inferioridade, não sei se de modo consciente ou inconsciente, falavam que éramos muito especiais, e a gente cresceu com essa sensação”, diz.