Entre 2007 e 2021, as polícias fluminenses fizeram, na região metropolitana do Estado, 17.929 ações em comunidades, com 2.393 mortos – entre eles, 19 policiais
Com reportagem de Hugo Barbosa, especial para o Estadão
Um relatório produzido pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF) aponta que a operação policial que deixou 17 mortos no Complexo do Alemão, em julho passado, não foi episódio isolado no Rio. Entre 2007 e 2021, as polícias fluminenses fizeram, na região metropolitana do Estado, 17.929 ações em comunidades, com 2.393 mortos — entre eles, 19 policiais.
Os óbitos de civis concentraram-se em 593 chacinas, termo que é usado pelos pesquisadores para classificar episódios com três ou mais óbitos. As forças policiais, no entanto, não usam a nomenclatura para classificar as próprias operações. Os especialistas consideraram eficientes, nesse período, apenas 275 (1,53%) das ações policiais.
CONCLUSÃO SOBRE AS AÇÕES POLICIAIS NO RIO DE JANEIRO ENTRE 2007 E 2021 EFICIENTES: 275 (1,53%) RAZOAVELMENTE EFICIENTES: 2.799 (15,44%) POUCO EFICIENTES: 8.035 (44,82%) INEFICIENTES: 5.122 (28,67%) DESASTROSAS: 1.728 (9,64%)
CONCENTRAÇÃO DE CHACINAS POLICIAIS POR REGIÃO ZONA NORTE (onde fica o Complexo do Alemão): 58% ZONA OESTE: 26,4% REGIÃO CENTRAL: 10,2% ZONA SUL: 5,5% POR BAIRRO Costa Barros (25) Maré? (21) Penha (20) Jacarezinho (19) Santa Cruz (19) Vicente de Carvalho (18) Senador Câmara (18) Bangu (16) Complexo do Alemão (13) Cidade de Deus (11)
Ocorreu na zona norte, também, a ação policial considerada mais letal da história do Rio. A operação do Jacarezinho, em 2021, deixou 28 mortos. Pelos critérios da pesquisa, foi “desastrosa”. O bairro concentra o maior número de mortes em operações — 112 vítimas entre 2007 e 2021 — e o tráfico de drogas é uma das explicações para o elevado número, segundo o estudo do Geni/UFF
PARÂMETROS DA PESQUISA 1. IMPACTO/PRESERVAÇÃO DA VIDA (mortos, feridos, presos) 2. APREENSÕES (armas, drogas, cargas, veículos) 3. MOTIVAÇÕES
ANÁLISES DE DANIEL HIRATA, COORDENADOR DO ESTUDO GENI/UFF
A questão central é a preservação da vida, ou seja, o fato de uma operação policial não ter mortos é algo que faz essa operação ter uma pontuação maior do indicador.
Em seguida, nos parecem importantes os efeitos observados, ou seja, o número de prisões e apreensões nessas ações. O último item tem a ver com as motivações.
Em primeiro lugar, é preciso melhorar os protocolos que dizem respeito às operações policiais. Em segundo, é necessário instaurar um efetivo controle interno e externo da atividade policial (corregedorias e Ministério Público) para fazer cumprir esses protocolos.
ANÁLISES DA ANTROPÓLOGA E CIENTISTA POLÍTICA JACQUELINE MUNIZ
Operações deveriam ser excepcionais.
As instituições policiais também são vítimas das gestões governamentais. As operações policiais são usadas como instrumentos para fins eleitorais.
Os governantes que banalizam as operações pouco se importam com a instituição e com a vida policial. Isso sabota a polícia por dentro.
O número elevado de operações especiais em comunidades banaliza o recurso que deveria ser utilizado em situações emergenciais e críticas.
As operações especiais foram criadas para reverter cenários difíceis. São excepcionais, mobilizam elevada escala de recursos e atuam em eventos críticos.
O governante não deveria usar um recurso caro e nobre dessa maneira, porque vulgariza e não produz resultado. A aplicação da continuidade das operações policiais também gasta o próprio recurso repressivo da polícia.
CRÍTICA
Paulo Storani, especialista em segurança pública, antropólogo e ex-capitão da Polícia Militar do Rio, criticou alguns pontos do indicador criado pelo Geni/UFF. Para ele, fatores como o perfil e as particularidades de cada facção criminosa devem ser observados ao medir a eficiência das operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro. “O número de mortos é um resultado que depende muito mais de quem a polícia enfrenta do que da própria polícia. Os traficantes são divididos em três facções criminosas, duas delas evitam ao máximo o enfrentamento com a polícia”, afirmou.
O QUE DIZ A POLÍCIA
Procurada para falar sobre o estudo Geni/UFF e sobre a operação no Alemão, a PM respondeu, em nota, que “foram apreendidos um fuzil utilizado para tentar derrubar as aeronaves durante as ações, quatro fuzis, duas pistolas e 56 artefatos explosivos que seriam empregados contra as equipes”. Também foram apreendidas, segundo a corporação, 43 motocicletas que seriam “utilizadas para causar distúrbios nas vias daquela região”, com objetivo de “desmobilizar as ações policiais e propiciar a fuga de criminosos”. Conforme o texto, a “Polícia Civil analisa todos os casos e a Polícia Militar colabora integralmente com as investigações”.
A Polícia Rodoviária Federal, que também atuou no local, declarou por e-mail que “não participou do planejamento da operação nem das atividades no terreno”. “Apenas enviamos algumas viaturas blindadas para retirar os policiais que estavam encurralados no interior da comunidade.” A Polícia Civil não se manifestou.