Escola Internacional de Cinema e Televisão de Cuba (EICTV) tem entre seus fundadores o escritor Gabriel Garcia Marquez
A cada dois anos, a Escola Internacional de Cinema e Televisão de Cuba (EICTV) seleciona alunos de 50 países que, se aprovados na bolsa, precisam levantar recursos para se bancar durante os três anos de estudo. Ao Brasil são destinadas entre quatro e seis vagas e, neste ano, três delas podem ser ocupadas por jovens das periferias de São Paulo e Sergipe.
Para estudar em uma das mais prestigiadas instituições do mundo na área, Wellington Amorim de Oliveira, 27, e Nay Mendl Silva, 28, fizeram um financiamento coletivo na plataforma Benfeitoria. A vaquinha fica aberta até o dia 31 de agosto.
Conhecidos como Well e Nay, os moradores dos bairros do Grajaú e Jardim Ângela, respectivamente, na zona sul de São Paulo, são fundadores da Maloka Filmes, um coletivo LGBTQIA+ que trabalha com direção audiovisual, consultorias, curadoria e coordenação de festivais e cineclubes.
Por meio da companhia, a dupla desenvolveu, em 2020, o curta-metragem ficcional Perifericu, vencedor de mais de 30 prêmios, e o longa documental Raízes, que trata do apagamento histórico das raízes negras no Brasil.
O objetivo da Maloka, explica Well, é fazer das comunidades espaços de conexão e formar os moradores como produtores de conteúdo.
“Desenvolvemos uma metodologia própria que valoriza os saberes pretos, transviados e periféricos. Atuamos em comunidade, conectando pessoas e movimentos para criar imagens transformadoras. Desde o processo até o resultado, criar narrativas para nós é ferramenta de expressão política e fazemos isso tendo como norteador os territórios periféricos: amigos, familiares e agentes da comunidade são peça fundamental nas criações e gravações”, explica.
Sem apoio do governo brasileiro — A EICTV foi fundada em 1986 e entre seus organizadores está o jornalista e escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez, o poeta argentino Fernando Birri e o teórico cubano Julio García Espinosa. O objetivo é preparar produtores audiovisuais que valorizem as narrativas da realidade latino-americana e mantenham um compromisso com a descolonização do cinema.
Desde então, a escola se tornou uma referência mundial e já teve entre seus docentes nomes como Francis Ford Coppola, Robert Redford, George Lucas e Steven Spielberg.
O governo cubano e instituições parceiras subsidiam 75% do custo dos alunos e o valor restante é cobrado em forma de matrícula anual de seis mil euros com direito a hospedagem, alimentação, transporte entre Havana e San Antonio de los Baños, assistência médica, material escolar e produção integral dos trabalhos em cinema e vídeo.
Até 2016, havia um convênio da escola com o Ministério da Cultura, que supria parte do valor para os brasileiros, mas o então governo do ex-presidente Michel Temer cancelou o investimento.
Produção crítica — Cineasta e produtor cultural formado pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Sidjonathas dos Santos Araújo, de 24 anos, também aprovado nas seletivas da EICTV, tem nas memórias de infância o incentivo para produzir as próprias narrativas.
A partir da graduação em Cinema, descobriu que poderia contar as histórias que via, mas também se sentiu desafiado a furar uma bolha localizada bem longe de onde vivia.
Precisei bancar a ideia de que, mesmo sendo negro, gay e do interior da Bahia, poderia ingressar numa área em que predomina a hegemonia racista, branca e rica, referenciada numa lógica eurocêntrica e ainda concentrada no Sudeste do Brasil (Sidjonathas dos Santos Araújo, cineasta)
As obras que produziu, como Ímã de Geladeira, de 2022, buscam romper com as amarras coloniais, conforme define, assim como os festivais que produz. Entre eles, o Cine de Rua Infantil de Sergipe (Crias), que exibe filmes para crianças do bairro Rosa Elze, em São Cristóvão (SE).
Além da visibilidade que a Escola oferece ao trabalho, Sid espera aprofundar a pesquisa que desenvolve sobre obras produzidas fora dos grandes eixos, mas para isso também aposta no financiamento coletivo para custear os estudos.
Well define a imersão na EICTV como uma oportunidade de expandir relações, fazer os filmes chegarem mais longe, mas também aprimorar a produção de histórias que raramente são vistas nas salas de cinema. “Percebemos o cinema como caminho para falar das nossas existências contrapondo as imagens de escassez e violência perpetuadas sobre corpos pretos, trans e periferias ao longo da história da TV e cinema. No país que mais mata travestis e transexuais com um projeto de genocídio negro em curso, o cinema que fazemos cumpre um papel de denuncia também.”