Por que algumas mulheres não fazem a reconstrução mamária?
Neste texto você vai ler
→ O que pensam mulheres que optam por não fazer o procedimento
→ Os fatores que influenciam essa decisão
→ Sobre a cirurgia de reconstrução, que é um direito das pacientes
→ Que a decisão por colocar ou não implante é pessoal e tem de ser respeitada
Por Adriana Moreira, no blog Tenho Cancer. E agora?, do Estadão
Dia desses uma amiga postou em suas redes que já não sabia se queria reconstruir a mama que teve de retirar por causa de um câncer. Ela já havia passado por algumas cirurgias, uma extração de implante e a possibilidade de encarar novamente um processo cirúrgico, com toda a fase de recuperação necessária, não a deixava animada. “É algo que ainda estou decidindo”, me contou ela.
Minha mãe também decidiu por não reconstruir a mama depois de sua mastectomia. Ela já havia passado por duas cirurgias mamárias e uma na vesícula e achou que bastava de procedimentos. Está feliz e segura com sua decisão.
Entre 2015 e 2020, mais de 200 mil mulheres tiveram de fazer algum tipo de cirurgia decorrente do câncer de mama só no Sistema Único de Saúde (SUS). Dessas, 43% foram submetidas a uma mastectomia, que é a retirada total da mama. Mas nem todas fazem a reconstrução – embora essa cirurgia seja um direito garantido às pacientes com câncer, muitas optam por não fazê-la.
Fabiana Makdissi, mastologista do Hospital A.C. Camargo, explica por que essa decisão deve ser respeitada e fala de alguns fatores que levam a paciente a não fazer a reconstrução. Pode ser que ela já tenha colocado um implante, mas o organismo tenha rejeitado (como foi o caso da minha amiga) e ela, então, desiste de fazer uma nova cirurgia. Ou que sua cirurgia tenha sido para retirar um tumor muito grande, de maneira que não sobrou muito tecido mamário para uma reconstrução imediata. Outra possibilidade é que ela tenha que aguardar na fila do SUS para conseguir o procedimento.
Ou pode ser simplesmente por opção.
“Apesar de a gente ter a visão de que 100% das mulheres vão querer fazer a reconstrução, não é bem assim”, conta a médica. Ela diz que ouviu numa palestra que quando a mulher não faz a reconstrução “é como se ela jogasse a toalha”. “Não acho que seja isso. Tem mulheres que decidem por não fazer e estão bem com sua sexualidade”, afirma.
Retirar os implantes — A mastologista conta a história de uma de suas pacientes, que precisou tirar as duas mamas. No pós-operatório, com as mamas já reconstruídas, o resultado foi ótimo, bem próximo ao natural. Mas ela não se sentia bem com as próteses. “Ela me disse certa vez que viu uma mulher sem as duas mamas numa praia de nudismo, e isso causou nela um misto de choque e admiração”, lembra. Segundo ela, a paciente dizia que as próteses pareciam não pertencer ao corpo, e que a mulher que ela viu na praia parecia “plena”.
Resultado: a paciente decidiu tirar os implantes. “Disse que foi a melhor coisa que fez na vida”, conta Fabiana, que explica se tratar de uma decisão muito pessoal. “Ela tem que pensar: tolero ou não tolero mais uma cirurgia? Quero ou não quero?”, diz Fabiana, que também teve câncer de mama em 2018.
Fabiana lembra o temor que tinha de o corpo rejeitar os implantes. Quando isso ocorre, explica ela, é preciso aguardar pelo menos seis meses antes de tentar uma nova cirurgia. “A prótese é um produto inerte. Quando tem uma infecção, por exemplo, não consegue garantir a morte total dessa bactéria. Às vezes é difícil garantir que seja debelada totalmente.”
Fabiana chegou a tomar um “susto” quando passou pela reconstrução mamária. Teve vermelhidão e dor, sinais de uma possível infecção, mas conseguiu se recuperar com antibióticos.
Decisão é pessoal e deve ser respeitada — Segundo Fabiana, os médicos costumam ter dificuldade para aceitar quando uma paciente diz que não quer fazer a reconstrução. “É preciso, claro, explicar para ela tudo o que está envolvido nessa decisão. Mas é ela quem decide”, afirma.
Fabiana recomenda que as pacientes conversem com outras mulheres que passaram por experiências semelhantes para tomarem a melhor decisão e entenderem o que está envolvido tanto na reconstrução como na ausência dela.
“A gente se amarra tanto a rótulos, ao que se espera da gente, ao que nos faz plenas, bonitas ou semelhantes a outras mulheres. E tem tantos exemplos de mulheres incríveis. E acho que isso tem que ser falado”, diz Fabiana.
A médica conta que há muitas possibilidades na reconstrução mamária. Não é preciso necessariamente aumentar a mama retirada – há mulheres que preferem diminuir ou retirar a mama saudável também. “Tive uma paciente de 35 anos que não quis fazer a reconstrução. Ela estava segura de sua decisão”, conta.
Padrões da indústria da moda — A questão da autoestima, nesse caso, tem de ser trabalhada caso a caso. “Cada mulher vai ter uma forma de lidar com isso”, diz ela, reforçando que mesmo com a reconstrução, a assimetria das mamas é muito comum. “Muita gente fica com vergonha de se despir no vestiário, por exemplo. É preciso que as pessoas tenham empatia”, diz.
Fabiana destaca a importância também da indústria da moda olhar para esse público. Ela conta que participou do desenvolvimento de um sutiã para mulheres mastectomizadas em 2013. “É algo de que tenho muito orgulho”, diz.