Estudo da Rede Nossa São Paulo e do Instituto Cidades Sustentáveis escancara — e reafirma — as desigualdades na capital paulista
Negros e negras estão mais concentrados em bairros das periferias, onde as condições de vida são mais precárias. Isso impacta, por exemplo, na idade média ao morrer das pessoas. Quem mora no Jardim Paulista, um bairro de classe média e alta da zona oeste, tem expectativa de vida de 80 anos. Essa marca cai para 59,8 anos entre os que vivem no Jardim Ângela, bairro do extremo sul que concentra o maior percentual da população negra da capital, com 60,1% dos moradores. A idade média ao morrer é 14,6 anos menor em Sapopemba, na zona leste, e 17,2 na Brasilândia, que fica na zona norte.
As disparidades ficam evidentes ainda na saúde, no transporte, na educação, na habitação, na violência racial e na violência contra as mulheres, de acordo com dados expostos no Mapa da Desigualdade 2022.
De forma geral, entre os distritos que registraram os melhores indicadores estão Pinheiros, Perdizes, Vila Mariana, Itaim Bibi, Consolação, Alto de Pinheiros, Moema, Jardim Paulista, República, Bom Retiro e Bela Vista. Já entre os distritos com os piores desempenhos temos o Jardim Ângela, Parelheiros, Socorro, Carrão, Itaquera e Sapopemba.
A realização do estudo, segundo o assessor de coordenação do Instituto Cidades Sustentáveis, Igor Pantoja, tem como objetivo reduzir desigualdades na capital paulista.
“Essas desigualdades só serão diminuídas se as políticas públicas se voltarem nesse sentido. É importante que o poder público esteja aberto, valorize as contribuições da sociedade civil, seja das organizações, seja da população. Temos vários conselhos municipais participativos em cada subprefeitura, por exemplo, onde os cidadãos opinam diretamente sobre o funcionamento da política municipal”, afirma.
Pantoja defende que os espaços de trocas entre poder público e sociedade civil sejam fortalecidos. “Que haja uma efetiva troca de conhecimento, que o poder público possa mostrar suas iniciativas, mas que também esteja aberto a escutar, a dialogar e a aperfeiçoar o que for necessário.”
Cotidianos periféricos — A presidenta da Associação das Mulheres Jardim Ivone Vida Nova, Maria Gilda, na região de Sapopemba, relata dificuldades na questão da mobilidade. “Os ônibus saem de duas em duas horas, é horrível. Para ir ao médico, a gente precisa se organizar com muita antecedência. O poder público tinha que olhar mais para a situação do transporte”, desabafa.
Para José Inácio da Silva, morador de Sapopemba, presidente da Associação José Milton da Silva, a periferia está longe de ser prioridade. “São várias as situações que passamos como falta de equipamentos de cultura, de creche, de brinquedos na praça, uma quadra de futebol para crianças e adolescentes. No posto de saúde, além da falta de médicos, nem dipirona para dor está tendo. Fiz uns exames de saúde e faz mais de dois meses que não recebi o resultado. Não paramos nem um minuto de cobrar tanto o governo como a prefeitura”, critica.
Segundo o Mapa da Desigualdade 2022, o tempo médio de espera para consultas na atenção básica de saúde é de 26 dias em Sapopemba.
O auxiliar de expedição José Carlos, morador do Jardim Damasceno, um dos muitos morros da região da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, fala sobre a violência. “O modo que o policial chega na quebrada não é como chega no Morumbi ou em Alphaville. Quem mora na comunidade, sabe muito bem como eles chegam, quebrando tudo. Parece que ninguém presta para eles. Tive amigos que morreram, é até difícil falar sobre isso. Na periferia, essas coisas são complicadas”, detalha sobre seu bairro, que completa 50 anos em 2022.
José Carlos também fala sobre a situação da saúde. “Precisamos de mais postos de saúde para atender a comunidade. O único que temos aqui atende vários bairros do entorno, sobrecarregando muito”, diz. “Precisamos de equipamentos de cultura, é difícil se deslocar para outros lugares de lazer. Para se divertir, a gente tem que armar nossas próprias festinhas. Deveria ter mais programas sociais que envolvessem as crianças e os adolescentes para não perdermos eles para as drogas. Quanto mais a gente puder livrá-los disso, melhor”, complementa.
Professor de História em escola pública, Álvaro Luiz da Silva, morador do Jardim Ângela, fala sobre as dificuldades em lidar com o racismo e a violência nas periferias. “Já sofri batidas policiais, hoje isso reduziu, mas sempre que encontro uma viatura, principalmente à noite, a sensação é que eu vou ser abordado a qualquer momento. Quem mora na periferia, sempre fica com o pé atrás. Faltam políticas públicas e maior diálogo da polícia para conhecer as necessidades e promover uma nova forma de convivência com a comunidade”, aponta.
Para o professor, as escolas são um espaço importante para o enfrentamento do racismo, da violência e demais desigualdades. “A partir da educação, vamos construindo novos valores e pontos de vista de acordo com a realidade cotidiana, sabendo que tudo está interligado a um sistema excludente. As escolas podem dar condições de romper falas, crenças, estereótipos e qualquer tipo de preconceito enraizado. Isso pode se dar a partir do conhecimento e do empoderamento dos jovens da periferia na luta pela igualdade social, cultural, emocional e econômica, possibilitando seu desenvolvimento pleno como cidadão consciente e atuante na sociedade”, avalia.
OUTROS DADOS
O Mapa da Desigualdade é divulgado anualmente há 10 anos. O estudo analisa indicadores sociais de diferentes áreas da administração pública, abrangendo os 96 distritos da capital paulista. Veja alguns destaques desta edição
→Cerca de 9,4% da população da cidade de São Paulo vivem em favelas. Na Brasilândia, o percentual é de 25,1%, no Jardim Ângela é de 19,4% e no Sapopemba é de 19%.
→A população que vive no distrito de São Domingos (ZN) ganha remuneração mensal média de R$ 7,5 mil, valor 4,4 vezes maior do que a da população da Brasilândia (ZN), que ganha R$ 1,7 mil.
→O tempo de deslocamento no transporte público nos horários de pico da manhã é de 62 minutos para os moradores do Jardim Ângela e de 50 minutos para os da Brasilândia e Sapopemba.
→A Barra Funda registrou a maior taxa de feminicídio na cidade de São Paulo em 2021. Neste distrito, 6 a cada dez mil mulheres residentes de 20 a 59 anos foram vítimas de feminicídio. O bairro é também o mais perigoso para a população LGBTQIAP+. A cada cem mil habitantes na capital, 67,3 foram vítimas de violência homofóbica ou transfóbica em 2021. O número é 13,5 vezes maior que a média geral da cidade.
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