Há dois anos, durante a madrugada, recebi inúmeras ligações e mensagens da minha mãe. Quando acordei e li, a percebi desesperada dizendo que a casa da minha avó estava cheia d’água. Chovia forte em São Paulo e enquanto eu estava tranquilo na minha cama, minha avó perdia tudo em uma enchente. O rio que fica em frente à casa dela havia transbordado. A rua não tinha estrutura para escoamento e a casa não suportava. Ela perdeu todos os móveis, roupas e alguns documentos. Principalmente: ela perdeu a identidade.
No dia seguinte, a minha avó estava arrasada e eu estava em uma reunião de trabalho para vender pacotes de passagens aéreas – mesmo sem nunca ter entrado em um avião. Enquanto eu editava fotos de um resort, recebia imagens da minha família limpando o que ainda restava de barro. Ao fundo, minha avó sempre aparecia chorando. Por dentro, eu também estava. Minha mãe culpava a chuva, mas eu sabia que o problema mesmo era a falta de políticas públicas de adaptação climática que pensassem em territórios e povos periféricos. Naquele momento senti que eu precisava comunicar o que estava acontecendo. Para compreender esse sentimento, fui pesquisar mais sobre o tema.
Entendi o que era racismo ambiental e as injustiças ambientais e me conectei ao Instituto Perifa Sustentável. Mas como falar sobre isso com pessoas como a minha mãe e avó que ainda acreditam que a culpa é de São Pedro e mostrar que elas têm direito à moradia digna e segura? Precisamos dialogar sobre a gravidade da crise climática em escala local. Muita gente não sabe como lidar ou não quer entender, mas os efeitos negativos seguem impactando a população negra, periférica e povos tradicionais. As informações passadas sempre em linguagem técnica e discutidas em espaços inacessíveis limitam o conhecimento para a mesma bolha: pessoas ricas e brancas, mesmo sendo a população periférica a responsável pelas soluções das problemáticas no território.
Por isso, precisamos pensar como ampliar essa conversa para as pessoas de outras realidades sociais. Agir como o sabe-tudo não é um bom caminho, mas há algumas sugestões de estratégias que podem ajudar.
Antes de tudo, ESCUTE! Até nas dificuldades há privilégios, por conta disso é necessário entender que a sua história é diferente da outra pessoa, ainda que ela venha do mesmo lugar que o seu. Por isso, promova conversas confortáveis para que essa galera seja parte da construção desses diálogos e, principalmente, consiga colocar as suas preocupações. Absorva o que elas trazem e inclua essas vivências no seu discurso fazendo um paralelo com a crise climática.
Talvez os seus vizinhos não entendam a necessidade de parar de consumir plástico por conta das tartarugas e a poluição dos oceanos, mas se você aproximar o tema dizendo que isso pode melhorar o mau cheiro do córrego que fica próximo a casa de vocês e também fazer com que ele pare de transbordar sempre que chove, pode fazê-los se engajarem.
Através desses exemplos práticos exercite a educação ambiental, se aproxime de grupos e pessoas que estão fazendo algo pela região e entenda como ampliar ou criar programas ambientais focados em mudanças climáticas, conservação do território e mudanças de hábitos. Não se esqueça: você não precisa criar tudo sozinho, se agrupar em coletivo te deixa muito mais forte.
Faça abordagens criativas desse assunto, com eventos culturais, festivais nas escolas, exposições com diferentes expressões de cultura e, caso a grana esteja curta, comece pelo simples: faça uma amarelinha onde um lado é representado pelo copo reutilizável e o outro pela garrafa pet, fazendo alusão ao certo e errado, ou quem sabe uma lista de transmissão no zap sobre esse tema.
Por falar em zap, esse aplicativo não é só para manter os contatinhos. Ele é uma importante ferramenta para você se comunicar com o pessoal nos grupos da comunidade, mas você também pode utilizar as rádios comunitárias, os murais dos espaços públicos e as redes sociais! Sempre pense em locais onde as pessoas estão presentes, seja na pracinha ou no supermercado do bairro.
E para você engajar mesmo a galera é preciso pensar em como fortalecer financeiramente essa mudança de atitude. Recentemente ouvi em uma roda de conversa que “quem vive no vermelho, não pensa no verde” e isso é uma verdade.
Como pensar em ser sustentável sem ter o que comer? Se você tiver grana, direcione apoio financeiro para projetos nas favelas. Se você não tiver, procure editais que foquem em ações pontuais ou na estruturação de um coletivo, por exemplo. E, claro, pense em como empreender dentro do seu território com negócios verdes e, principalmente, entenda que esse fortalecimento pra comunidade não precisa vir só de dinheiro. Vai ser incrível se você construir uma horta que pode alimentar a turma da sua rua ou do seu bairro.
Essas sugestões de como comunicar e ampliar o debate sobre a crise climática podem parecer feijão com arroz para a gente que vive essa realidade todo dia, mas assim como o arroz e o feijão, esse simples e básico é necessário. E é potente! Escute, fale e compartilhe as informações. Somos mais fortes quando temos consciência do que nos cerca.
***Este conteúdo é uma coluna de opinião que representa as ideias de quem escreve, não do veículo.