Desde a invasão, em 1500, vivemos sob a lei do não indígena. Desde que pisaram em nossas terras, o não indígena vem impondo diversas questões em nossos cotidianos: língua, cultura, filosofia, crenças, roupas e pensamentos europeizados, que na perspectiva não indígena são os corretos e devem ser seguidos. É nítido que esse processo colonizador não foi bom para todos os envolvidos.
Não é novidade para ninguém que nessa imposição forçada muitos povos foram dizimados, expulsos, violados e violentados, passando por processos de tentativa de apagamento cultural e intolerância em relação às nossas crenças sagradas.
Por mais confuso que pareça, vemos que a conta não bate. Ainda hoje, nós povos indígenas somos vistos como ameaça e como empecilho para o país, o país que por nós não foi invadido, o país que por nós foi mantido.
O marco temporal é mais um exemplo disso. Ele distorce a história tornando-a novamente conveniente para os mais “poderosos”. O marco temporal quer marcar uma data para dizer quem é originário ou não. Quem estava na data que eles estabeleceram é que tem o direito sobre o território. Quem dita a regra do jogo é quem pretende sempre vencer.
É uma tese jurídica que defende que os povos indígenas só têm direito à demarcação de suas terras tradicionais se estivessem ocupando-as em 5 de outubro de 1988, data da publicação da Constituição Federal do Brasil.
Segundo essa tese, as terras que estavam desocupadas ou ocupadas por outras pessoas naquela data não podem ser demarcadas como terras indígenas. Esses territórios podem ser considerados propriedade de particulares ou do Estado, e não mais dos povos originários que a habitam.
Dizer que os povos indígenas só podem ter seus territórios demarcados se comprovado que estávamos em nossos lugares em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da constituição criada pelos não indígena, a mesma constituição que resguarda os direitos à terra dos nossos povos nos artigos 231 e 232, é a continuação da colonização.
É se nós impuséssemos um marco temporal para os não indígenas? Que até a data da invasão eles não pudessem ter direitos às terras que habitam? Mas nós não somos assim, e não queremos isso, muito menos desocupar terras de pequenos produtores que vivem do que produzem. Essas pessoas não invadem terras indígenas. O que queremos é apenas a demarcação das terras indígenas que estão em processo de demarcação, que se tornam cada vez mais vulneráveis pela instabilidade desses processos violentos maquinados pelo setor ruralista.
Vivemos em um cenário em que o Marco temporal, mesmo sendo claramente inconstitucional, abre brecha para parâmetros de exploração predatória territorial, trato rizando, documentos de proteção indígena como a contribuição e a convenção 169 da OIT. Com projetos de lei como o PL2903, que tramita no Senado com ameaças de exploração de terras indígenas, tirando o Direito de gestão e usufruto exclusivo dos povos indígenas até mesmo em territórios demarcados.
Espaços como esse possibilitam que a mensagem dos povos indígenas seja potencializada, o futuro é indígena e ancestral. A demarcação de terras indígenas é a solução para a crise climática, por isso estamos nessa grande campanha coletiva contra o Marco Temporal.
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