Mahryan Sampaio e Camila Berteli – Instituto Perifa Sustentável
Quando a gente é da favela, já nasce empreendedor. Desde muito cedo a gente precisa dar um jeito, se virar, ou a vida não acontece. Estamos distantes dos empregos formais, por isso a resposta no final das entrevistas é sempre a mesma: as crias das comunidades não dão “match” com a cultura das empresas. E quando o papo é inclusão ou ações afirmativas, os gestores encaram nossa contratação com o ato de “baixar a régua” para cumprir políticas de diversidade nas empresas. Para eles, somos a força de trabalho barata e com baixa escolaridade.
Mas, existe um fator que esse discurso ignora: o racismo é estrutural, e todas as vezes em que pessoas negras e faveladas avançam a régua sobe e muda de lugar. Por isso, não se trata de “baixar a régua para promover diversidade” e sim quebrar as barreiras da discriminação que nos impedem de avançar.
Na favela está a capacidade de inovação, a coragem de testar, a influência e a conexão com o consumidor. Segundo dados do IBGE de 2021, movimentamos R$ 119 bilhões todos os anos. Somos os intelectuais da vida cotidiana, capazes de criar novas narrativas com mais senso de comunidade e pertencimento. Desenvolvemos tecnologias sociais avançadas e sofisticadas para resolver as questões de nossos territórios. Por isso, não há estratégia de ESG possível, se a favela não fizer parte deste movimento.
ESG – Três letras que prometem transformar o mundo dos negócios ampliando o impacto positivo em cenários antes esquecidos. Significam em inglês E (Environmental: Ambiental) S (Social: Social) e G (Governance: Governança) e servem para medir como e se, as empresas possuem práticas sociais responsáveis, ambientalmente sustentáveis e administradas de forma ética e correta. Em troca, acesso a fundos de investimento, menor volatilidade e lucro.
Mesmo sendo um movimento rentável, importante e necessário, nem todas as empresas acreditam no ESG como algo positivo e aplicável para os negócios. Ainda há empresas focadas nas barreiras, na dificuldade de adaptações necessárias e no custo de readequação, afirmando que isso tira o foco dos negócios. Mesmo nas empresas que aparentemente se engajam com o tema, o que vemos é muito discurso e pouca prática.
Quando falamos das favelas então, sentimos que tudo isso é ainda mais distante. A maioria das empresas que possuem ações em comunidades periféricas assumem uma postura de domínio do saber, imposição de práticas, métodos e visão de mundo que anula o conhecimento potente e presente nesses espaços. É menos “troca de experiências” e mais “postura salvadora”. Dão o que querem sem perguntarem o que as favelas precisam.
Há tecnologia e conhecimento na favela e as empresas podem aprender muito com quem sobrevive e cria possibilidades todos os dias nesses territórios. No Perifa representamos isso por meio do símbolo africano da Sankofa, que é derivado do idioma Akan e significa “voltar e buscar” ou “buscar o que foi perdido”.
E o que é o ESG, se não o convite a ideia de que, para avançar para o futuro, é importante olhar para trás e aprender com o passado, tradições e experiências.
Para ir além de um marketing de iniciativas, a conversa precisa ser de conexão e colaboração, de ações “com” e não “para”. É preciso pensar soluções coletivas com a comunidade, e não para ela a partir de sua própria visão externa do mundo. Dessa forma, as empresas aprenderão a valorizar e a respeitar o conhecimento negro e periférico, que também é ancestral.
Há alguns caminhos possíveis para as empresas que querem atuação real nas periferias, compartilhamos algumas delas:
Vamos começar com a escuta? É necessário um mapeamento participativo com a comunidade, estabelecendo parcerias com ONGs e organizações locais que conhecem as necessidades do território e já estão envolvidos em iniciativas sociais, que muitas vezes precisam de apoio, financiamento e formação para expandirem.
Por falar em formação, que tal apoiar projetos que fomentem educação, conhecimento e a aprendizagem nas favelas, promovendo o desenvolvimento de lideranças e a participação nas decisões que afetam suas vidas?
Esse desenvolvimento também impacta na ampliação da Diversidade e Inclusão. Os talentos existem, mas será que sabemos reconhecê-los? As empresas devem refletir a diversidade da sociedade brasileira e implementar a inclusão no ambiente de trabalho. Práticas que fomentem a cidadania, a cultura e lazer aproximam essas realidades, que parecem ser distantes, mas não são. Todo mundo quer poder viver experiências que ampliem a sua visão de mundo.
As favelas sofrem com o racismo ambiental e precisam de investimento em infraestrutura e serviços. Contribuir financeiramente ou colaborar com projetos de melhoria de infraestrutura, como estradas, escolas, centros de saúde e sistemas de água potável, são ações que mudam as realidades locais. Com isso, é possível desenvolver, priorizar e incentivar fornecedores locais, apoiando o desenvolvimento de pequenas empresas na comunidade, promovendo o crescimento econômico e gerando renda.
As empresas precisam reconhecer que não nos falta capacidade e conhecimento, mas nos tem faltado o compromisso, colaboração e compartilhamento de recursos entre empresas e favelas. As empresas podem contribuir de maneira significativa para o desenvolvimento sustentável nas comunidades, ao mesmo tempo em que promovem seus próprios objetivos de negócios e práticas ESG. Vamos começar?
***Este conteúdo é uma coluna de opinião que representa as ideias de quem escreve, não do veículo.
“No Perifa representamos isso por meio do símbolo africano da Sankofa, que é derivado do idioma Akan e significa “voltar e buscar” ou “buscar o que foi perdido”.
E o que é o ESG, se não o convite a ideia de que, para avançar para o futuro, é importante olhar para trás e aprender com o passado, tradições e experiências.” AMEI!!!!!!!!!!