Captar grana para desenrolar nossos projetos está sendo um baita corre. Quando o Instituto Perifa Sustentável nasceu, não tínhamos nada além de um sonho. Sabe aquela parada que bate forte no seu peito, faz seus olhos brilharem e deixa seu estômago cheio de borboletas? Pois é. Foi essa a sensação de caminhar rumo ao desconhecido, engolir o medo e se jogar em algo que apesar de parecer incerto, era a certeza mais nítida daquele momento em nossas vidas.
Alguns meses após decidirmos transformar o projeto numa ONG, começamos a procurar editais. Foi uma jornada longa, desafiadora e complexa. Não sabíamos muito bem como fazer, mas estávamos comprometidas com essa missão. Em junho de 2021, aplicamos para o edital Elas Periféricas da Fundação Tide Setubal e em agosto do mesmo ano, recebemos a feliz notícia que o nosso coletivo havia sido selecionado.
Além das jornadas de capacitação sobre comunicação, financeiro, recursos humanos, jurídico, captação de recursos, prestação de contas e todos os tchurururu necessários, recebemos R$20 mil reais para institucionalizar nosso coletivo.
Foi doidera! Parecia que estávamos entrando num outro patamar, tendo acesso a assuntos que nem sabíamos que existíamos. E por conta de toda essa movimentação, muita coisa mudou… E você está ligado naquela frase né: “o mentor chega quando o aprendiz está preparado” Foi num almoço com a Dani Saraiva, mentora e consultora em desenvolvimento institucional com mais de 20 anos de experiência no setor de impacto, que ganhamos nossa primeira mentoria de captação de recursos, com um olhar mais amplo do desenvolvimento institucional.
Eu estava animada com os próximos passos. Comecei a aprender o processo de captação de recursos: fazer planilhas, colocar o contato de possíveis financiadores e ser bem cara de pau. Nesse tipo de trabalho, não dá para se deixar paralisar pela vergonha, medo ou insegurança. É preciso marcar reunião, apresentar a instituição e procurar sinergias para construir os projetos. É um trampo cansativo e que precisa de muita resiliência, não vou negar. Mas nós jogamos de cabeça e nos permitimos viver cada etapa desta jornada. Um trabalho de abrir e nutrir relações, além de estruturar e planejar a execução, de ganhar um olhar mais a longo prazo, mentoria que a Dani vem fazendo comigo e com a organização.
Poucas semanas antes do Congresso do GIFE, o Grupo de Institutos Fundações e Empresas, recebi a confirmação de que poderia ir no evento com bolsa, cujo o ingresso custava cerca de dois mil reais. Eu estava animada, confiante e esperançosa: finalmente teria um contato direto com os maiores investidores filantrópicos do Brasil!
Participei do evento, assisti palestras e fiz networking. Fiz novos parceiros de luta e encontrei amigos antigos, que assim como eu, também estão no corre para criar um mundo livre de desigualdades, seja na área de educação, economia, democracia, cultura ou meio ambiente. Mas deixa eu te contar uma coisa: durante o evento, um sentimento muito esquisito se formou no meu coração. Naquele momento, eu não sabia muito bem como explicar, era um mix de tristeza, inconformismo e revolta.
Esse ano, em 2023, o 12º Congresso GIF trouxe fortemente o tema de raça para o debate, ofereceu bolsas para pessoas negras e tocou em muitos temas sensíveis. Estar nesse espaço, me permitiu analisar:
“Qual é a raça, a classe social e o gênero da maioria dos financiadores? – Era nítido ver quem estava buscando grana e quem tinha o recurso para fazer investimentos. As pessoas pretas eram, em sua grande maioria, aquelas que estavam em um corre danado para fazer contatos que pudessem trazer retornos financeiros. E as pessoas brancas, eram majoritariamente, aquelas que estavam num lugar de privilégios, poder, decidindo se iriam dizer sim ou não.
Perceber essa lógica social foi doloroso!
Após o final do evento, a Fernanda, do Fundo Baobá, me questionou sobre o que eu havia achado do Congresso. Eu disse que estava meio bagunçada, pois aquele espaço era complexo e precisava decantar os meus sentimentos. Então ela me abraçou forte e eu comecei a chorar, chorar e chorar. Era uma tristeza da alma, as lágrimas escorriam sem cessar e eu chorava de soluçar. Naquele momento eu percebi que tinha tanta coisa entalada!
Participar daquele congresso me fez descobrir como os brancos fazem projetos, é tudo através de contatos! As famílias são próximas, a galera se conhece desde gerações, da escola, do mesmo círculo. Descobri que muitas ONGs receberam financiamento desde a sua concepção, as ideias são patrocinadas. Eles não começaram um instituto com nada, assim como foi com o Perifa Sustentável e muitos outros com base territorial no país. Essa é a lógica prevalente no setor.
Eu me senti tão triste, ferida e injustiçada. Entendi na prática que frases como “é só se esforçar”, “quem quer consegue”, “tem que trabalhar firme para fazer dar certo” não se sustentam por si só. Algumas semanas depois, conversei com o Daniel Bento, advogado e diretor executivo do Centro de Estudo das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), e ele disse uma frase que ficou marcada em meu coração: “Sabe Amanda, diferente da galera branca que trabalha com impacto social, a gente também é alvo das nossas próprias políticas, ações e projetos.”
É minha querida lindeza climática, já dizia Racionais MC’s “o barato é louco e o processo é lento.” A realidade é complexa, mas aos pouquinhos as coisas vão se desenrolando. Nós, do Instituto Perifa Sustentável, passamos no nosso segundo edital, desta vez, o do Fundo Casa Socioambiental. Recebemos R$35 mil para desenvolver o “Clima de Quebrada”, um projeto piloto de formação racial e climática para alunos e docentes de uma escola pública da Brasilândia.
E essa não é uma realidade só nossa. Conforme um estudo da Iniciativa Pipa, Barreiras de Acesso aos Recursos no Brasil, o mundo de editais, regras e recursos está muito distante de quem trabalha e dedica grande parte do seu dia à gestão de projetos sociais.
Mesmo com pouquíssimo recurso, estamos conseguindo fazer tantas coisas: participamos de reuniões com o governo federal, influenciamos tomadores de decisão no campo da emergência climática, temos projetos de educação ambiental no território e desenvolvemos muitas estratégias para fomentar a comunicação climática. Agora, imagina só quando o dinheiro chegar de verdade? Quando conseguirmos remunerar a equipe, investir nas ações na comunidade, fazer avaliações, ter um dinheirinho para o coffee break… Tornaremos a periferia realmente sustentável!
O acesso ao financiamento muda completamente a capacidade de ação e o alcance do nosso e de qualquer projeto comunitário. Às vezes o que nos separa dos nossos grandes sonhos é apenas um acesso a um financiador e um voto de confiança. A galera que detém o recurso precisa entender que a gente tem capacidade de gerir recursos, promover impacto e transformar nosso território, principalmente se tivermos mentoria e acompanhamento. Não é sustentável ficar sempre numa correria maluca, passando perrengue financeiro e ter que encontrar maneiras de fazer o dinheiro multiplicar para fazer nossas paradas acontecerem.
Não queremos ser mártires. Queremos ter recursos para puxar o corre com qualidade, sem burnout e sempre cuidando do coletivo! Gostaria de apoiar o Instituto Perifa Sustentável? Chama a gente no contatinho! perifasustentavel@gmail.com
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