“A escolha para o tema do episódio foi de revolta. Uma forma de garantir a luta constante para que crimes como esse não aconteçam mais”, disse o rapper Mano Brown, dando início à gravação ao vivo do episódio do podcast ‘Mano a Mano’, durante o Spotify Podcast Festival, em São Paulo, no último sábado (4/11).
O tema mencionado é o assassinato da líder quilombola Mãe Bernadete. Com 72 anos, Mãe Bernadete era ialorixá e liderança do quilombo Pitanga dos Palmares, Simões Filho (BA), uma cidade da região metropolitana de Salvador.
Ela era uma participante ativa da luta quilombola, sendo coordenadora nacional da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) e secretária de Política de Promoção da Igualdade Racial de sua cidade. A líder foi assassinada a tiros em agosto deste ano.
Em 2017, seu filho Flávio Gabriel Pacífico, conhecido como Binho do Quilombo, também foi assassinado. Ele liderava a luta contra a instalação de um aterro próximo ao quilombo. Após a morte de seu filho, Mãe Bernadete passou a exigir justiça pelo assassinato e continuou resistindo à construção do aterro.
No primeiro bloco do episódio de podcast, Mano Brown e Semayat Oliveira, consultora jornalística do Mano a Mano e cofundadora do Nós, mulheres da periferia, receberam Jurandir Wellington Pacífico, filho de Mãe Bernadete, e Selma Dealdina, secretária executiva da CONAQ.
Assim como a mãe e o irmão, Jurandir também se tornou um alvo por defender os direitos de sua comunidade. Ele relata que, após o assassinato de Mãe Bernadete, precisa ser escoltado 24 horas por dia e não pode manter a mesma rotina de vida, como frequentar jogos de futebol no quilombo. “Eu sou o próximo”, disse consciente do perigo que o cerca.
Selma Dealdina destacou que aqueles envolvidos com grilagem de terras e especulação imobiliária veem os quilombos como entraves para o desenvolvimento do país; uma visão que ela classifica como racismo ambiental. Para garantir a proteção dessas populações, ela defende que o tema precisa receber mais visibilidade.
Ministro Silvio Almeida destacou mudanças no programa de proteção a ativistas – Em vida, Mãe Bernadete alertou e solicitou proteção às autoridades devido às ameaças que sofria. “Hoje vivo assim: não posso sair que tô sendo revistada, minha casa é toda cercada por câmeras, me sinto até mal com um negócio assim”, disse a liderança.
Os apelos da ialorixá não foram suficientes para que o Estado brasileiro tomasse medidas para evitar o assassinato. Mãe Bernadete estava incluída e deveria ser protegida pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH).
Criado em 2004, o PPDDH estabelece medidas de proteção à vida de pessoas ameaçadas em decorrência de sua atuação na defesa dos direitos humanos. No entanto, o programa vem sendo criticado nos últimos anos por organizações e lideranças, devido a problemas em sua execução. Em dezembro de 2022, o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) lançou um dossiê denunciando a precarização do programa durante o governo de Jair Bolsonaro.
O PPDDH é de responsabilidade do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Nesse contexto, o ministro da pasta Silvio Almeida foi o convidado para o segundo bloco do podcast Mano a Mano. Questionado sobre medidas para melhorar o programa voltado a defensores dos direitos humanos, o ministro destacou que o programa sozinho não basta para evitar o assassinato de ativistas.
“Sem fazer reforma agrária, demarcação de terras indígenas e quilombolas, as pessoas continuarão sendo assassinadas”, afirmou, acrescentando que a falta de titulação facilita os conflitos de terra.
Silvio Almeida destacou que o orçamento do programa passou de R$ 9 milhões para R$ 23 milhões na transição do governo Bolsonaro para a gestão de Lula. Ele mencionou que o ministério está trabalhando em um sistema de monitoramento dos casos incluídos no programa e no cumprimento de condenações internacionais relativas a falhas do Estado na proteção da população.
Além disso, foi criado o Grupo de Trabalho Técnico (GTT) Sales Pimenta, que visa identificar as causas da impunidade do assassinato de lideranças, estabelecer medidas de reparação, tratamento psicológico e indenizações compensatórias aos familiares das vítimas. O grupo foi instituído em setembro deste ano pelo Ministério dos Direitos Humanos e é composto por representantes do governo federal e da sociedade civil.