A crise climática é uma emergência global e irá atingir a todos, mas não da mesma forma. Parte dos grupos sociais viverá os efeitos das mudanças climáticas mais intensamente e primeiro, e o que determinará essa escolha será sua raça, etnia, gênero e CEP (ou a falta dele).
Em um país estruturalmente racista como o Brasil, a injustiça climática caminha lado a lado com a desigualdade racial. Pessoas negras são as maiores vítimas de desastres ambientais; lixões e aterros sanitários são construídos próximos às favelas e comunidades; e povos quilombolas e indígenas têm suas terras ameaçadas com frequência por grandes latifundiários. Isso é racismo ambiental, que explica como as questões ambientais aprofundam as desigualdades já existentes.
Há quem pense que o termo “Racismo Ambiental” surgiu no ambientalismo, mas a verdade é que ele foi usado pela primeira vez em 1981 pelo Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr., ativista e líder afro-americano. Em meio às manifestações pelos direitos civis nos Estados Unidos, o movimento negro denuncia que comunidades étnicas são submetidas a situações de degradação ambiental, como exposição a substâncias tóxicas e perigosas.
Em contraposição ao ambientalismo tradicional, dominado por vozes brancas, masculinas e elitistas do Norte Global (como Estados Unidos, Canadá e países europeus), o termo explicita que existe cor na injustiça ambiental. A crise climática está muito além da extinção de ursos polares ou derretimento de geleiras, afetando das florestas até as zonas periféricas urbanas. Por isso, a luta por um planeta mais sustentável e justo deveria considerar também nossas perspectivas, ações, experiências e soluções.
“Ecologia sem luta de classes é jardinagem” – Chico Mendes
As favelas brasileiras são regiões historicamente racializadas e 67% dos moradores se declaram negros, totalizando cerca de 11,5 milhões de pessoas. Das vítimas imediatas do rompimento da barragem de Mariana, 84,5% eram negras. Dentre os desaparecidos no rompimento da barragem em Brumadinho, 70,3% se declaravam como não-brancos, assim como 58,8% daqueles que vieram a óbito. Assim, constatamos que o racismo ambiental é mais atual do que nunca.
No Perifa Sustentável, questionamos porque tem córrego a céu aberto nas quebradas e nos bairros de luxo não. E mesmo quando, em tese, os fenômenos vividos são os mesmos, os diferentes grupos não são atingidos da mesma forma. A título de exemplo podemos citar as chuvas e apagões em São Paulo, que trouxeram consequências muito maiores para a periferia. Você pode me dizer que faltou luz para ricos e pobres, brancos e negros, mas não é sobre isso que estamos falando.
As favelas são as mais atingidas pelas enchentes, que enfrentam perdas materiais, casas completamente inundadas e alagamentos frequentes devido ao acúmulo de lixo, impermeabilização do solo e falta de infraestrutura. As tempestades nos mantêm em estado de alerta e não é raro que falte energia elétrica. Após algum tempo sem assistência adequada, os alimentos da geladeira estragam. A compra do mês é feita na ponta do lápis. E aí quem repõe esse prejuízo? Em pouco tempo vai faltar água para beber, cozinhar, limpar e tomar banho. Se falta sinal de internet, não é possível pedir ajuda em qualquer emergência. E a culpa não é das chuvas: é da falta de planejamento urbano.
E a mídia tem papel fundamental nessa equação através da sensibilização do tema – ou o contrário. O racismo ambiental também carrega consigo um pensamento que faz com que muitos normalizem o fato das coisas “serem como são”. Então, quando a gente fica sabendo sobre a construção de outro lixão na periferia, a contaminação de um rio que alimenta uma cidade inteira ou invasão de terras indígenas, por exemplo, a opinião pública é convencida de que se trata de um “mal necessário”. E novamente, o desenvolvimento atropela corpos negros.
Sempre ressaltamos: a discussão sobre clima não se restringe apenas à agenda ambiental, pois os impactos são potencializados por fatores sociais e econômicos. Por isso, a emergência climática precisa ser pensada como pauta transversal no diagnóstico, criação, implementação e revisão de políticas públicas, envolvendo todas as áreas das cidades. Clima é educação, segurança pública, habitação, justiça, alimentação, mobilidade, saúde e direitos humanos também, e não há possibilidade de construirmos comunidades resilientes sem considerar a profundidade dessa discussão.
Estamos em novembro, mês da consciência (ou seria “paciência?”) negra, e nesta época do ano é quase clássico assistir aos compartilhamentos do célebre discurso proferido pelo ator Morgan Freeman, que diz que “se pararmos de falar sobre o racismo, ele desaparece”. E no fundo, nós sabemos que não é tão simples assim. Afirmação utópica para o racismo e para o clima, deixar de falar sobre nossos problemas nunca resolveu questão alguma. Se deixarmos de falar sobre os boletos, eles continuarão chegando todo mês… e o racismo é uma conta que nós pagamos há séculos.
Se pararmos de falar sobre a crise climática, o planeta caminhará rumo à extinção. Se pararmos de falar sobre o racismo, pessoas negras continuarão sofrendo com a desigualdade. A verdade é que essa lógica é tentadora e extremamente perigosa em um país como o Brasil, que vive o racismo de forma velada: no nosso país as pessoas sabem que o racismo existe, mas ninguém se denomina racista.
Por isso, em vez de se apegar a falsas soluções mágicas, precisamos de ações concretas. É urgente construir políticas de adaptações climáticas antirracistas que possam atender também às periferias e favelas das cidades. É urgente trabalhar na sensibilização do tema com crianças e adolescentes por meio de programas nas escolas e demais espaços de socialização. É urgente que todos os setores se entendam como parte dessa solução, pois os povos negros, indígenas, periféricos e tradicionais têm trabalhado há séculos para garantir sua sobrevivência com dignidade. É urgente mobilizar a mídia para que possa retratar o racismo ambiental através da voz e perspectiva de quem mais sofre os efeitos da crise climática. É urgente direcionar os recursos para associações e organizações de base. E também é urgente que pessoas brancas e privilegiadas utilizem seu espaço para ampliar esse debate, pois precisamos de aliados. É imprescindível que essa intersecção do racismo não seja exposta apenas por pessoas pretas e que pessoas com poder de tomada de decisão utilizem sua voz para dar visibilidade para quem está no corre: é preciso ouvir, convidar pra roda e dar lugar à fala.
É urgente agir. Você vem com a gente?
***Este conteúdo é uma coluna de opinião que representa as ideias de quem escreve, não do veículo.
Vamos lutar pela proteção da NATUREZA.
Precisamos agir rápido.