“Eu sou real e ninguém pode negar.” Essa frase foi dita por Deize Maria Gonçalves da Silva, mais conhecida como Deize Tigrona, em entrevista para o Expresso na Perifa. A carioca é uma das maiores cantoras de funk do Brasil, artista visual, compositora, escritora e foi uma das primeiras funkeiras a falar sobre sexo e desejo feminino nas músicas.
No dia 7 de março de 2024, lançou seu novo álbum, “Não Tem Rolê Tranquilo”, com participações de artistas como Boogarins, LARINHX, BADSISTA, Iasmin Turbininha e mais.
Nascida na Cidade de Deus (RJ), Deize começou sua carreira como cantora de funk em 1997, com 18 anos, quando gravou sua primeira música. Na época, trabalhava como empregada doméstica e sempre escreveu poemas. Sempre esteve ligada à arte, de uma forma ou de outra. Naquele ano, gravou “Hilda Furacão”, com o DJ Duda. Porém, o sucesso que a levaria para os holofotes mundiais veio em 2002, que foi o hit “Injeção”, com o DJ Marlboro. A faixa foi sampleada por Diplo e M.I.A. na música “Bucky Done Gun” em 2005. Foi essa a música que levou Deize a fazer uma turnê na Europa – ela foi a primeira funkeira a conquistar o marco.
Em 2008, após lançar o álbum “Garota Chapa Quente” e estando de volta da Europa – onde chegou a participar do Rock In Rio de Lisboa, Portugal -, Deize começou a enfrentar um processo difícil: a depressão. A artista foi sumindo do meio musical.
Em 2012, lançou em parceria com a artista paraense Jaloo o single “Prostituto”, que se tornou um clássico quase imediato do eletro. Até os dias de hoje, o “Tô cansada de ouvir que você é prostituto / Chegou na hora H, eu achei um absurdo” toca nas pistas ao redor do Brasil e do mundo. Também lançou em 2021 o remix do seu single “Sadomasoquista”, que foi lançado originalmente no seu álbum “Garota Chapa Quente” e tomou os bailes nos anos 2000. Na década de 2020, o TikTok foi responsável pela volta da viralização do hit.
Deize voltou a lançar um novo disco em 2023, o “Foi Eu Que Fiz”, desta vez com uma grande equipe, produtora e empresário. Voltando de mais uma turnê na Europa de sucesso, que fez ao lado do DJ Mu540, lançou o seu terceiro e mais recente álbum, “Não Tem Rolê Tranquilo”. O projeto mistura ritmos do funk carioca com outros gêneros, como pop e eletrônica, e o resultado é original e delicioso.
O Expresso na Perifa, em parceria com a TAG Revista, conversou com Deize sobre o lançamento do disco e sua carreira. Confira:
Quem é Deize Tigrona, hoje, após todos esses anos?
DT: Eu me sinto a mesma desde o início da minha carreira. Óbvio que com mais conhecimento, mais responsabilidade e entendendo realmente os os parâmetros e as planilhas em relação ao mundo das plataformas hoje. Eu realmente tenho essa visão ampla do que é a arte hoje, por conhecer também outros artistas e entender que esses outros artistas, que eu gosto, que eu sou fã, me conhecem, já ouviram falar de mim e ficam surpresos com a minha presença e com o meu vocal. Então me sinto mais evoluída hoje, porque é isso, não tinha como não evoluir. A gente está vivo e realmente quer viver da arte, transformar a vida para melhor e, no meu caso, querendo uma arte melhor, não para mim mas para quem me ouve.
Como surgiu o “Não Tem Rolê Tranquilo”?
DT: Então, o “Não Tem Rolê Tranquilo” veio de uma necessidade, de ouvir de produtoras que eu não tinha uma setlist para festivais. Como eu sempre escrevo, sempre estou evoluindo minhas escritas, não seria um problema parar para estudar, buscar melodias, fazer uma coisa que realmente cause impacto não só nos meus fãs, mas em mim. Primeiro, eu queria lançar um EP em 2023, com três faixas, especial para o Dia dos Namorados. Dessas faixas, uma está no álbum, que é “Prazer Sou Eu”, mas as outras duas estão aqui, no papel e na mente. Por conta da turnê na Europa, não consegui lançar o EP, mas ainda na turnê eu escrevi “Massagem”. Voltando, escrevi “Não Tem Rolê Tranquilo”, depois “25 de Abril”, que foi inspirada numa situação depois de uma festa do São Paulo Fashion Week. Um amigo meu, Juninho, falou de Boogarins. Veio “LSD”, que LARINHX escreveu, também colocamos a música com Iasmim Turbininha, “Vilão”. O álbum levou mais ou menos um ano para ser construído. Levou esse tempo, para convidar a galera para a produção musical, que foi uma questão de honra para mim, porque queria manter esse foco em quem eu gosto. E eu não acredito, até hoje, que a gente lançou o álbum. Porque pra gente que é independente é na raça, realmente não teve rolê tranquilo. Ainda estou em êxtase, estou comemorando.
Ser uma artista independente no Brasil não é algo fácil. Pode falar mais sobre como é para você?
DT: Não é fácil, realmente. Eu tenho sorte de gostarem do meu som, de estar viva e ter persistido na música, na arte, para que hoje eu tenha essa autonomia. Em novembro do ano passado, eu ainda estava trabalhando como gari, varrendo, tentando conciliar e ouvindo muitas críticas em relação a isso. O negócio realmente é não desistir. E eu, por algumas vezes, quase desisti, devido à depressão que eu tive, eu achei que não tinha mais espaço para mim. Mas eu sou do movimento, realmente gosto de arte. Quando comecei, eu queria ser atriz de novela, queria ser modelo. Aí, comecei a compor, escrever melodias, migrei pro hip hop, depois para o funk. Ainda acho que sofro alguns boicotes, muitas coisas aconteceram. Vejo que sou referência na música, mas não tenho uma aparência na mídia por ser preta, e infelizmente é a realidade da nossa conjuntura. O meu trabalho independente foi uma questão de resistência, de querer estar, de querer ser, de ser, porque eu sou, e ninguém pode negar.
Um fenômeno que vem acontecendo no Brasil é artistas do mainstream, principalmente do sertanejo, se apropriando de gêneros marginalizados como o funk, mas numa versão mais higienizada. Como você observa isso?
DT: Isso acontece porque as pessoas vêem a gente como referência, sobem o morro, vão na favela, buscando um diferencial para a arte deles e fazem essa higienização para que o mundo aceite. Quando, na verdade, eu acho que o mundo está buscando algo mais original. Acredito que quem faz essa higienização não vai tão longe. E nós, que somos do meio, temos que começar a travar, a dizer ‘não’ até um certo ponto, porque temos que entender as limitações de ser artista independente. Muitos artistas precisam aceitar a higienização na arte para tentar crescer de alguma forma, inclusive eu já passei por isso.
Queria que você falasse sobre a importância de se pautar a sexualidade feminina, principalmente num momento em que as novas gerações estão tratando o sexo cada vez mais como tabu.
DT: É pesado porque basta nascer mulher para passar por um processo de sexualização. Quando eu lancei “Injeção”, ainda era bem jovem e um vizinho veio me perguntar se eu fazia sexo anal por conta da música. É triste ver que hoje, com tanta violência e abuso contra mulheres, ainda se fala de tabu em relação a sexo. Naquela época, passei por isso e também vivi uma situação de abuso na infância. Mas isso não me impediu e não me impede de continuar escrevendo. Nas minhas letras, hoje em dia, falar sobre sexo, eu vejo como algo que eu queria ter falado sobre com minha mãe, minha avó, minhas tias, que nunca falaram abertamente sobre sexo. Para mim, cantar sobre isso é uma libertação e eu acho o funk libertador. Precisamos falar sobre para que meninas, mulheres, saibam o que é sexo, o que é consentimento, autonomia.
NP: De onde veio o nome do álbum, “Não Tem Rolê Tranquilo”?
DT: É sobre os altos e baixos. A letra da faixa que dá o nome ao álbum é realmente sobre a pessoa almejar o tempo, querer ter, mas sem ir atrás, numa zona de conforto. Quando não se tem tudo na mão, quem não é herdeiro principalmente. Ela fala sobre você bater de frente, assumir o seu B.O. O que se situa nessa letra é que o ‘não’ já está aí, o ‘sim’ é conquistado. O álbum é sobre não normalizar o ‘não ter rolê tranquilo’, que pode sim existir o rolê tranquilo.
Quais são suas ideias de projetos futuros?
DT: Eu voltei na leitura do “Livro de Pau”, que é o livro-exposição que foi para Studio OM.art, no Jockey Club. Estou relendo para poder voltar à escrita. Pretendo terminar de escrever o livro e lançar para distribuição. Andam aparecendo uns convites para gravação, talvez eu consiga realizar meu sonho de atriz, mas se não acontecer, eu mesma quero escrever um roteiro para isso. Estou mandando para o universo. Quero fazer mais artes plásticas, criar mais obras, terminar o livro para reiniciar minha autobiografia. Tenho várias faixas e feats já prontos para sair mais à frente. Também quero dar vida ao EP do mês dos namorados. De resto, eu quero gozar! Ainda estou em êxtase com o lançamento, faço minhas músicas pensando na minha empolgação, no meu libido, coisas que eu faria. O romance, a intensidade. E eu sou assim.