Vivemos o caos com enchentes, tempestades severas, deslizamentos e inundações. Não é incomum ter medo da chuva. Os efeitos da mudança global do clima já afetam territórios periféricos, ocupados em sua maioria por corpos negros, e trazem consequências catastróficas no dia-a-dia. Os desastres recentes reforçam as desigualdades, provando que a crise chega para todos nós, mas não é sentida da mesma forma. Por isso, a missão é clara: como sobreviver ao fim do mundo?
Precisamos construir políticas de adaptação climática nas cidades.
Adaptação é o processo de se ajustar aos efeitos da mudança global do clima, preparando-se para suas consequências. É a nossa contenção de riscos, que procura reduzir e evitar danos ao máximo. Apesar da maioria dos discursos sobre aquecimento global falarem sobre cenários futuros e distantes, o pior já está acontecendo. Quando chove na periferia as casas inundam, pessoas ficam desabrigadas, ilhadas e perdem tudo. E deixa eu te contar um segredo: não há volta.
O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2007) afirma que mesmo que haja estabilização dos gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera, esse acúmulo ainda afetará o planeta. Na prática, isso significa que enfrentaremos desafios climáticos de qualquer forma. Precisamos nos preparar.
Você, meu caro leitor, já deve ter ouvido falar nas negociações internacionais que acontecem em eventos como a COP, que é a Conferência de Clima da ONU. Nestes espaços as ações de mitigação são prioridade, pois buscam a diminuição de carbono, que afeta o planeta como um todo. Se nós emitimos muitos gases poluentes aqui no Brasil, por exemplo, isso afetará todo o planeta – da China até os Estados Unidos, então o assunto é da conta de todo mundo.
Por outro lado, a adaptação costuma ficar em segundo plano, pois se refere à forma em que um território irá enfrentar esses desafios, reduzindo sua vulnerabilidade. Se as periferias do Brasil são atingidas pelo calor extremo, por exemplo, é tarefa do governo brasileiro direcionar políticas públicas que atendam essa população. É mais ou menos assim que a coisa acontece. Complexo, né? Como resolvemos isso?
Aqui no Perifa Sustentável, temos uma forma de pensar: se a segurança dos nossos territórios não é prioridade, precisamos fazer com que seja. A pressão e articulação da sociedade civil para lutar por justiça climática é fundamental. É nesse contexto que surge a Rede por Adaptação Antirracista. Formada por mais de 70 organizações do movimento negro, entidades socioambientais e de direitos humanos, temos pautado uma política de adaptação às mudanças climáticas para a defesa da vida da população negra, indígena, periférica e quilombola.
Em um país estruturalmente racista como o Brasil, que carrega a herança de uma sociedade escravocrata com tantos preconceitos e desigualdades, as catástrofes climáticas se tornaram a nova política de morte direcionada a corpos negros. Nessa equação, o Estado detém o poder de ditar quem pode viver, escolhendo a partir do momento em que negligencia ações de adaptação climática nas periferias e quilombos. Diante disso, faço coro às palavras de Conceição Evaristo: “combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”. Nem por bala perdida, e nem por deslizamento de terra. Resistimos contra a política de “deixar morrer” e a polícia de matar, construindo novos caminhos.
Recentemente estivemos em Brasília em uma agenda política com o governo federal, discutindo a criação e implementação do Plano Clima e Adaptação, responsável por estabelecer diretrizes de adaptação para diferentes setores governamentais. Nos reunimos com o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA), Ministério da Igualdade Racial (MIR), Ministério da Saúde, Secretaria Nacional de Periferias, Secretaria de Relações Institucionais, Secretaria de Proteção e Defesa Civil, e Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). Discutimos sobre participação social, gestão de risco e desastres, transparência, racialização dos dados, segurança alimentar, assistência emergencial e outros temas.
Junto ao Greenpeace Brasil, entregamos o abaixo-assinado “Basta de Tragédias” para Ana Toni, Secretária Nacional de Mudanças do Clima, com mais de 16 mil assinaturas. O documento pede ações imediatas do governo para proteger territórios de eventos como enchentes, ciclones, secas, chuvas, ondas de calor, de frio e outros desastres. Ressaltamos o óbvio: as pessoas mais impactadas precisam ser parte da construção da política de adaptação climática.
Para além da continuidade de agendas nacionais, nossos próximos passos envolvem influenciar a criação de planos estaduais e municipais de adaptação, que possam ser orientadores de políticas públicas nas cidades. Em 2022, no Brasil, mais de 500 pessoas morreram direta ou indiretamente em decorrência dos impactos das chuvas. Mesmo assim, o poder público ainda não se adaptou corretamente para responder a esses efeitos. Atualmente 72% das cidades não têm orçamento próprio para ações de defesa civil, como prevenção, resposta e recuperação em caso de tragédia climática. E nós sabemos que o impacto precisa chegar nos territórios, com escalabilidade real.
Possíveis alternativas para se pensar a adaptação antirracista nas cidades envolvem a criação de protocolos emergenciais, preparação de avaliações de risco, desenvolvimento de sistemas de alerta preventivo mais eficazes, criação de políticas públicas baseadas em dados desagregados, fortalecimento de redes de segurança social, obras em regiões de encostas, e outras soluções pensadas com participação popular.
A crise climática é também uma crise humanitária, e devemos agir antes que seja irreversível. Precisamos de alternativas para consolidar adaptação climática antirracista nas cidades, e isso nunca foi tão urgente.
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