“A recomendação para pediatras e médicos em geral: prescrevam mais natureza para seus pacientes.” O contato com a natureza transforma a vida para melhor. A pesquisadora sueca Matilda van den Bosch conta que já há evidências de que a natureza é promotora de saúde.
“Muita gente às vezes nos diz que há aspectos negativos, como pólen, que traz alergias. Mas com base em todo o conhecimento que já foi adquirido digo que os benefícios são muito maiores que os pontos negativos. Além disso, cem anos atrás não tínhamos tantas alergias, então é possível imaginar que isso ocorresse porque as pessoas ficavam muito mais ao ar livre, mais expostas à biodiversidade.”
ENTREVISTA: Matilda van den Bosch, pesquisadora sueca e doutora em Medicina
‘A saúde humana depende de um planeta saudável’
A saúde humana depende de um planeta saudável. E falar em conservação da natureza é só uma outra forma de pensar em cuidados com a saúde, afirma a médica sueca Matilda van den Bosch, professora assistente na Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá.
Em agosto, Matilda esteve no Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, em Florianópolis, e trouxe evidências sobre os benefícios que a exposição à natureza traz para a saúde. Ela faz parte de uma vertente
de pesquisadores, amparados pela Organização Mundial da Saúde, que investiga essas relações e começa a ganhar corpo na área de saúde pública.
A proposta é analisar fatores de risco a doenças e avaliar como o contato com áreas verdes colabora para reduzi-los. Falta de atividade física, depressão, solidão, estresse e mudanças climáticas causam obesidade, doenças cardiovasculares e respiratórias e transtornos mentais — problemas que podem ser amenizados no contato com a natureza.
Matilda conta, em entrevista à jornalista Giovana Girardi*, que durante sua formação em medicina não ouviu nenhuma vez a palavra meio ambiente. “Nunca conversamos sobre natureza. Era um modelo biofísico da saúde.
Tudo o que discutíamos era sobre biologia, as funções do corpo, como ele funciona. Só mais tarde eu percebi que era preciso expandir isso. Os seres humanos são parte integrada dos ecossistemas.”
[O contato com a natureza] É uma maneira mais barata de garantir bem-estar e evitar danos maiores do que usar remédios
A noção de que estar em meio a natureza é algo relaxante, que melhora o humor, o bem-estar, é algo que em geral as pessoas percebem intuitivamente. Mas quanto de fato entendem que é algo que melhora a saúde delas?
Acho que ainda há um certo ceticismo de que estamos falando de algo não muito científico. Além disso, as pessoas não ficam ao ar livre tanto quanto poderiam, não têm essas conexões com a natureza. E se você não tem isso, não tem como saber que faz bem para você. Falta consciência mesmo.
A gente não vê médicos receitando natureza.
Calculo que só uma meia dúzia recomende: vá para a natureza. Não é considerado científico o bastante. Parece coisa de “abraçador de árvores”. O que é uma pena, porque já é sabido que tem uma relação custo-benefício
boa, não polui o ambiente. Pesquisadores interessados nisso estão tentando criar estudos melhores para criar evidência para o que é obviamente evidente para quem vai à natureza.
As áreas verdes são um promotor de saúde?
Sim, nós temos evidência de que a natureza traz tantos diferentes benefícios que, pensando em todos eles juntos, podemos dizer que a natureza de fato é uma promotora de saúde.
Quais resultados a senhora destaca como os mais significativos?
Acho que onde há uma evidência consistente e ampla é no efeito que áreas verdes urbanas têm sobre a redução dos efeitos das ilhas de calor. Em alguns casos chegaram a ser relatadas reduções nos níveis de mortalidade e morbidade associadas com calor. Também são consistentes os trabalhos que mostram que pessoas vivem mais se têm acesso à natureza. Outros trabalhos importantes mostraram redução na prevalência de asma, de doenças cardiovasculares. Pessoas que se mudam para áreas mais verdes apresentam uma redução no nível
dos hormônios do estresse. O mesmo já foi observado com sintomas da depressão.
Em geral, pessoas que curtem estar na natureza têm todo um estilo de vida saudável. Como separar o impacto do contato com a natureza?
De fato, essa é uma das questões com as quais lutamos nos nossos estudos. Há muitas variáveis que podem influenciar e que precisamos conseguir separar. O que você está falando é sobre efeito auto-selecionado. Pessoas que já têm um um nível maior de educação e de consciência sobre sua saúde e têm estilos de vida mais saudáveis, também costumam, em primeiro lugar, viver em locais com mais áreas verdes e ser mais propensas a
usá-las. No entanto já temos alguns estudos que estabeleceram uma forma de controlar esses fatores. E descobriram que os efeitos da natureza são similares e vão além de questões sócioeconômicas relacionadas.
Havia uma campanha há alguns anos que propunha a ideia de que um planeta saudável é igual a
pessoas saudáveis.
E o oposto também vale. Se as pessoas estão ao ar livre, na natureza, elas tendem a assumir um comportamento mais ecológico, se tornam mais pró-ambiente. Então se temos pessoas mais saudáveis, também vamos ter um planeta mais saudável.
* A repórter Giovana Girardi viajou para Florianópolis a convite da Fundação Boticário
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