ENTREVISTA | Germaine Tillwitz é advogada, tem câncer metastático e está em tratamento paliativo
‘Eu me sinto curada por essa certeza da minha finitude’
A advogada Germaine Tillwitz, 36, mãe da Sara, 6, e da Laura, 8, está em cuidados paliativos. Ela tem câncer de mama metastático. Em uma chamada de vídeo de quase uma hora, falamos de vários assuntos. Entre eles, uma abordagem do Outubro Rosa menos tatibitati, onde apenas “os casos de superação” importam. “No meu primeiro Outubro Rosa eu fazia a quimioterapia visando a cura”, conta Germaine. “Mas depois eu tive o diagnóstico de metástase e me tornei uma paciente em tratamento paliativo e eu via que desses pacientes pouco se falava. O mote da campanha sempre foi ‘a prevenção do câncer de mama’, mas como assim a prevenção? A gente tem que falar é de diagnóstico precoce, não de prevenção.”
Veja a seguir outros destaques da conversa. A entrevista completa está no blog da Rita Lisauskas.
OUTUBRO ROSA
Eu acho que a gente tem que falar mais de vida do que de morte, e também das coisas reais do câncer de mama: 30% dos pacientes não vão se curar, vão ter metástase ou recidiva. Temos de falar de depressão, da dificuldade de retorno ao mercado de trabalho, sobre sexualidade – as pacientes não falam sobre isso com seus médicos. Muita coisa precisa ser falada, mas não é. A campanha fica falando de autoestima, de amarração de lenço, de maquiagem, de pintura de sobrancelha, e não é bem por aí.
TUDO CERTO
Eu fiz tudo certinho: meus exames estavam em dia, eu amamentei, tive filho antes dos 30, nunca fumei, não tenho obesidade, nunca me alimentei mal, não tomava hormônio, não tenho fator hereditário e tive câncer de mama. E daí você ouve ‘faça a prevenção!’ e parece que a gente que tem câncer fez alguma coisa errada.
ALGO ERRADO
Tem uma pesquisa do inca que mostra que 60% das mulheres descobriram o câncer pelo autoexame, ou seja, alguma coisa está falhando, esse câncer deveria de ter sido detectado por um exame, como a mamografia, por exemplo, porque estatisticamente essa mulher teria chance de fazer um tratamento mais eficaz, buscando a cura.
DIAGNÓSTICO
A Sara estava com quase dois anos e estava desmamando, aí eu fui fazer todos os meus exames de rotina. O meu ultrassom estava normal. Dois meses depois, eu deitei e peguei na mama e senti que ela estava dura, muito dura. Eu consegui fazer todos os exames em uma manhã, ultrassom, mamografia e biópsia, um privilégio, reconheço, em uma semana eu já estava tomando a quimioterapia. O nódulo já tinha oito centímetros.
AS MENINAS
As duas dão muita força. Elas eram muito pequenas, a Sara tinha 2 anos e a Laura tinha 3. Quando meu cabelo começou a cair a Laurinha falava ‘mamãe, deixa eu brincar de tirar seu cabelo?’ Eu não tinha a opção de ficar triste. Fiz a mastectomia total São bilateral um mês depois de terminar o ciclo de quimioterapia. Eu tinha 32 anos.
VOCÊ SABE?
"A Laura, que tem 8 anos, viu a movimentação e minha mãe chegando e perguntou: ‘Por que a nona veio? E o que você tinha que contar para ela?’ Daí eu disse, ‘filha, é porque o exame da mamãe está ruim’. Ela não perguntou mais nada. Elas sabem que eu tenho câncer. Dias desses [a Sara] falou assim, ‘mãe, todo mundo nessa casa tem um problema, né? Você tem câncer, eu e o papai temos alergia e a Laura tem o dente torto!’ As crianças têm uma percepção muito boa sobre a vida. Ela já me perguntou ‘mamãe, você vai morrer de câncer?’ E eu respondi que não sei, ‘você sabe do que você vai morrer, filha?’ Aí eu falei ‘eu também não sei. Pode ser de câncer, pode ser de qualquer outra coisa’." (Germaine Tillwitz)
CURA, TRATAMENTO CONTÍNUO, METÁSTASE
Não. A cura é sempre retroativa, só dá para se falar em cura quando se passaram já os dez anos que terminou aquela terapia. O tratamento é contínuo. Um ano e meio depois eu fiz uma daquelas tomografias de controle e apareceu uma metástase nos ossos, no início de 2018.
SALA DE ESPERA
Dia 30 de setembro eu fiz uma ressonância e descobri que eu tenho inúmeros tumores na cabeça, não sei quantos, porque eles não contaram. Eu liguei chorando para a minha mãe, acho que foi a primeira vez. Estou na sala de espera do meu oncologista para discutir meu tratamento.
CUIDADOS PALIATIVOS
Toda vez que se fala em tratamento paliativo se lê, ‘ah, é porque não tem nada mais a fazer’. Quando aconteceu comigo eu já sabia, eu tinha uma relação de muita confiança com a minha oncologista e eu mesma disse a ela quando vi os exames, ‘agora é tratamento paliativo, né? Então eu vou casar com você, porque todo o mês eu vou estar aqui’.
VOLUNTARIADO
[Germaine é voluntária do projeto da Casa Paliativa, que tem proposto debates muito legais sobre câncer no movimento batizado de #OutubroVivo]
A Casa Paliativa ia ser inaugurada como espaço físico, no bairro da Barra Funda, mas com a pandemia a gente não pode abrir as portas. Dizemos que abrimos uma janela que permitiu falar com pacientes e cuidadores do Brasil inteiro, e não só de câncer de mama, mas pessoas que têm outras doenças graves e incuráveis. Nós temos uma doença incurável, mas a gente não fala só sobre morte, a gente fala sobre vida. Nós não somos curados no laudo médico, mas a gente se sente muito mais curado do que muita gente saudável.
A CURA
Eu me sinto muito saudável, eu falo que eu ‘só tenho câncer’, de resto eu não tenho nada. Eu me sinto curada por essa certeza que eu tenho da minha finitude.
EU DISSE ‘SIM’
“Quando eu terminei o tratamento do câncer de mama primário, senti uma vontade muito grande de fazer tudo. Foi ‘o ano que eu disse sim’ – como o livro da Shonda Rhimes, conhece Eu fi z tudo o que você pode imaginar: eu voltei pro inglês, fui fazer aula de música, eu entrei no pole dance, eu fui fazer curso de circo, tênis todos os dias da semana, um mestrado, fui fazer um mochilão sozinha. Então tudo o que me chamavam ou que eu pensava que eu podia ter vontade de fazer eu falava ‘sim’. Foi muito bom. Minha mãe veio para São Paulo várias vezes, vieram todas as minhas tias, primas, foi muito gostoso, a gente conseguiu viver momentos muito bons. E depois que eu recebi o diagnóstico da metástase eu falei pro meu marido ‘eu sei que eu não vou morrer agora, mas mesmo se eu morresse agora eu já teria vivido uma vida que valeu ser vivida’. Eu aprendi a viver de uma maneira boa independentemente da doença" (Germaine Tillwitz)