Compartilhar, gerar conhecimento e acolher. Seguindo esses preceitos, a Escola Feminista Abya Yala se define como “um espaço de estudo coletivo, fortalecimento e cuidado entre mulheres ativistas na periferia”. Durante a pandemia, por exemplo, uma rede de apoio tem ajudado famílias vulneráveis chefiadas por mulheres na zona sul da cidade de São Paulo.
Reportagem de Riviane Lucena, Embarque no Direito, em São Paulo
Houve um tempo em que fazia parte do dia a dia das comunidades compartilhar alimentos na vizinhança. Quando alguém fazia bolo, era quase regra levar um pedaço para a vizinha, e esta, por sua vez, não tardava em retribuir com uma fatia ainda quentinha. Se faltava a xícara de açúcar para completar a receita, bastava bater na porta ao lado. Em algum momento, porém, esse costume perdeu espaço para o cada um por si. “Era uma prática muito comum quando eu era criança, no bairro onde eu morava”, conta Andrea Arruda Paula, 51 anos, pedagoga e psicóloga do Campo Limpo, na zona sul da capital paulista.
Andrea leva na memória essa cultura do coletivo e da comunidade que efetivamente compartilha, mas não para por aí. Ela é uma das fundadoras da Escola Feminista Abya Yala, onde o feminismo comunitário é uma das bases. A rede foi construída para gerar conhecimento e, principalmente, acolher. Homens são bem-vindos nas atividades, mas a escola é voltada principalmente às chefes de família das periferias que moram de aluguel, sustentam suas casas e cuidam dos filhos sozinhas. Mulheres que, em sua maioria negras, têm histórias marcadas por violência doméstica e subempregos.
Tudo começou quando em 2018 Andrea e outras mulheres encontraram-se durante um curso de feminismo comunitário de Abya Yala, no Sesc Santo Amaro. Em linhas bem gerais, o feminismo comunitário Abya Yala é uma corrente de pensamento latino-americana amparada no cuidado mútuo entre as mulheres, opondo-se ao individualismo e ao patriarcado.
Quando as aulas terminaram, boa parte da turma continuou a se reunir para cozinhar, comer, beber e conversar sobre suas vidas, além de debater leituras e estudos. “Levamos nossas mães, vizinhas, amigas, todas as mulheres precisam caber nessa discussão, senão, não faz sentido”, conta Andrea. Surgia assim a Escola Feminista Abya Yala. Sua proposta, por meio de encontros, cursos, palestras e outras atividades, é compartilhar conhecimento. E partir para a ação.
REDE DE APOIO
Na pandemia, ao perceber o adoecimento mental diante do desemprego, da negação do auxílio emergencial e da violência doméstica, a rede articulou um grupo de 12 psicólogas voluntárias para atender os casos.
Ao longo de 2020, cem famílias chefiadas por mulheres receberam cestas básicas e alimentos orgânicos. Em 2021, foram arrecadados quase 7 mil reais em uma vaquinha virtual que permitiu socorrer outras trinta casas. “Até no aluguel conseguimos colaborar para que algumas não fossem despejadas”, conta Andrea.
As campanhas de solidariedade continuam. As atividades da escola seguem no online, por enquanto, e estão concentradas sobretudo em rodas de cura de diversos temas, a exemplo de yoga, alimentação saudável, chás, ervas e escrita.
Para conhecer, participar das atividades ou fazer doações, visite o perfil da Escola Feminista Abya Yala no Instagram
O que é Abya Yala? • Abya Yala é um termo de origem guna, tribo que vive nas ilhas do arquipélago Guna Yala, no Panamá. • Significa "terra madura" e tem sido usado por povos originários latino-americanos no lugar de América, como forma de fortalecer identidade e pertencimento. • O Panamá reconhece a autonomia do território guna desde 1925; nele prevalecem costumes, cultura e modos de vida da etnia. • Em Guna Yala os indígenas mantêm vivas suas tradições e as mulheres são a autoridade máxima das famílias; a igualdade de gênero é um valor da sociedade. • A tempo: na segunda metade dos anos 2000 surgia na Bolívia o conceito de feminismo comunitário de Abya Yala, que se opõe à opressão patriarcal sobre mulheres, homens e natureza.
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