Estudos mostram que nos processos seletivos e na vida profissional, quem vive na periferia das cidades está em desvantagem. “Se você é preto e favelado, vai ser bem mais difícil arrumar um trabalho digno”, diz moradora do Jardim Piedade
A cor e o CEP definem os resultados dos processos seletivos para vagas de emprego, afirma a produtora cultural Amanda Timóteo, 24 anos — ela mora no Jardim Piedade, periferia de Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana do Recife. “Se você é preto e favelado, então vai ser bem mais difícil arrumar um trabalho digno, em que haja respeito e onde se consiga ficar por muito tempo”, diz Amanda. Aos problemas da desigualdade e do preconceito em relação ao território — há quem altere o endereço de casa no currículo —, Amanda acrescenta outra barreira a ser enfrentada: o racismo.
O cenário inclui ainda a falta de estrutura nas cidades, que interfere diretamente em como as pessoas vivem e acessam o mercado de trabalho. Não raro, moradoras e moradores precisam acordar muitas horas antes do horário do trabalho; gastam parte considerável do dia em transportes públicos de pouca qualidade; saem de casa com os pés em água suja em épocas chuvosas.
“A gente tem que enfrentar o transporte público precário. Com uma pandemia em curso, vamos em ônibus lotado de gente”, diz Amanda. Para garantir a renda mensal, recorrer a atividades sem direitos trabalhistas é a realidade de boa parte da população. “Vejo muitas pessoas nessa pandemia optando por pelo mercado informal, o que chamamos de bico”, completa.
Desertos de oportunidade — Apresentado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2020, o levantamento Acesso a Oportunidades mostra que pessoas ricas têm mais facilidades no acesso ao emprego do que as pobres. O estudo realizado nas 20 maiores cidades do Brasil constata também que a população negra e de baixa renda acessa menos oportunidades de trabalho, saúde e educação.
Um exemplo é a capital mineira Belo Horizonte. Na categoria de desigualdade de acesso a emprego por quem mora a 30 minutos do trabalho, via transporte público, os 10% mais ricos da cidade têm 11,5 vezes mais possibilidades do que os 40% mais pobres. É o pior resultado entre todas as cidades estudadas. Em relação à cor, uma pessoa branca tem 2,1 vezes mais possibilidades de ser empregada do que uma pessoa negra. Nas duas situações, Recife fica em quinto e sexto lugar, respectivamente. São Paulo ocupa a segunda posição.
No texto de introdução ao diagnóstico, os pesquisadores do Ipea descrevem dois padrões nos resultados: “A concentração de atividades nas áreas urbanas centrais, aliada à performance/conectividade das redes de transporte, leva a áreas de alta acessibilidade próximas ao centro das cidades, em contraste com regiões de periferia marcadas por desertos de oportunidades”.
O relatório do Ipea mostra, ainda, que em todas as 20 cidades estudadas a população branca e de alta renda têm, em média, mais acesso a oportunidades de trabalho, saúde e educação do que a população negra e pobre, independentemente do meio de transporte considerado.
Por uma mobilidade mais justa — “No Brasil, temos uma política pública muito segmentada, dividida em diversos setores, mas que, na verdade, deveria buscar um objetivo comum”, afirma Thiago Jerohan, comunicador social e ativista fundador da Bigu Comunicativismo, um projeto que busca incluir a sociedade civil nas discussões de políticas públicas.
Para Jerohan, órgãos públicos, a exemplo das secretarias de desenvolvimento urbano, planejamento, mobilidade e habitação dos municípios, podem e devem ser questionados e cobrados por ações em prol de uma mobilidade mais justa.
Ferramentas como o Plano Diretor e o Plano de Mobilidade precisam ser cada vez mais discutidas com as organizações da sociedade civil, segundo o ativista. “São essas estruturas que a gente vai dialogar diretamente sobre como a cidade é planejada, pois a gente fala justamente de uma cidade que é planejada para excluir as pessoas pretas, já planejadas para estarem nas periferias”, aponta Jerohan.
No Brasil, Thiago cita iniciativas que precisam ser popularizadas em prol da mobilidade. É o caso da Tarifa Zero, sistema de transporte público gratuito que tem sido implementado em cada vez mais cidades no país. “Mesmo sem mexer nas estruturas institucionais sobre o Direito à Cidade, promove a possibilidade dos acessos”.
PLANO DE MOBILIDADE URBANA FAZ PARTE DO PLANO DIRETOR O Plano Diretor é um conjunto de regras e incentivos delimitados em uma lei municipal que norteia tanto as ações públicas quanto as privadas no ambiente urbano. A partir de objetivos e diretrizes, delimita onde e como se pode construir na cidade, envolvendo aspectos variados como altura de edificações e área construída máxima, dentre outros. Pela lei federal 10.257/01, todos os municípios com mais de 20 mil habitantes ou de regiões metropolitanas devem ter um Plano Diretor. Esta reportagem de arquivo do Estadão explica a importância desse mecanismo. Integrado ao Diretor, o Plano de Mobilidade Urbana (PMU) deve conter um planejamento para melhorar o deslocamento sustentável das pessoas nas cidades, o que inclui entre outras medidas estabelecer trajetos mais curtos e de qualidade, melhorar a dinâmica dos semáforos e as condições das calçadas. Esta reportagem do Mobilidade trata da relevância do PMU, uma medida foi instituída pela Lei Federal 12.587/2012, que estabelecia até 2015 o prazo para que os municípios apresentassem seus planos.
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