Em Belém, capital paraense, existe uma comunidade periférica de população ribeirinha chamada Vila da Barca. Sem água encanada e saneamento básico, outra dificuldade por ali é o acesso à leitura. Mas isso está mudando, por iniciativa de voluntários locais. Em 2020, foi criada a Barca Literária, uma biblioteca itinerante que leva livros a crianças e adultos da região.
Não se trata de uma embarcação propriamente dita, e sim de um projeto que navega terra firme sempre que os organizadores e a Comissão Solidária da Vila da Barca programam as atividades em algum espaço público – o nome, Barca Literária, é uma referência à própria Vila e sua relação com o rio.
Considerada por muitos estudiosos uma das maiores comunidades sobre palafitas da América Latina, a Vila da Barca fica na margem direita da Baía do Guajará. Ela tem de um lado as águas do rio e de outro a avenida Pedro Álvares Cabral, uma das principais de Belém. A população tem sido ajudada com alimentos e itens de higiene pessoal por coletivos culturais e de comunicação atentos à precarização das condições de vida dos moradores. A Barca Literária é um dos braços dessa articulação.
Uma das crianças alcançadas pelas atividades da Barca é Vitória Carmo da Silva, 8 anos, estudante do terceiro ano do ensino básico. “A Barca Literária é muito legal, a gente lê livros e faz brincadeiras. Agora vou começar a ensinar as outras crianças a lerem”, diz a menina. Cleia Carmo, 36 anos, mãe de Vitória, conta que ver sua filha como mediadora de leitura é muito significativo. “A educação oportuniza algo maravilhoso na vida de todas as pessoas e ter minha filha como referência é muito importante.”
#amazoniaviva #periferiale — As atividades da Barca Literária se desdobram em contação de histórias e iniciação à leitura para adolescentes, que são incentivados a ensinar crianças menores. Outras ações são apresentações culturais, cortejos mensais, empréstimo de livros e recreação com materiais recicláveis.
A programação mais intensa ocorre aos sábados e domingos, mas, de acordo com a disponibilidade dos voluntários, há agendas durante a semana. O melhor jeito de acompanhar é seguir a conta no Instagram @barcaliteraria.
Para a criadora do projeto, Gisele Mendes, 40 anos, a atuação da Barca é fundamental, sobretudo porque a comunidade não é atendida pelo poder público no que diz respeito à leitura. Mas é dever do Estado, afirma Gisele, garantir o direito da leitura aos moradores. O coletivo tem 15 pessoas, entre adultos, adolescentes e crianças, e por mês atende uma média de 60 leitores – ou futuros leitores. A maior parte do público é formada por crianças que têm entre 4 e 12 anos.
Letras e lutas — A boa vontade, o voluntariado e a ajuda de parceiros fazem a Barca Literária literária existir (e resistir), ainda que o trabalho seja feito de forma improvisada. Doações de livros e materiais educativos ajudam nas ações da comunidade — os interessados podem entrar em contato diretamente pelas redes sociais. “Nossas atividades se dão através da ocupação de espaços públicos, como praças e beira de rio, já que não temos endereço físico”, diz Gisele. “Todo o processo de organização e catalogação é feito na minha casa.”
Os voluntários contam que participar é recompensador. “Ser mediadora de leitura significa muito para mim”, diz Bianca dos Santos Progenio, 21 anos. “É gratificante ser o meio entre os livros e os leitores.” O contador e pesquisador Ícaro Laurinho, 29 anos, emenda: “Diante da dificuldade de acesso à leitura e à internet, perpassada pela ausência do poder público, o trabalho da Barca surge como solução para a comunidade”.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria Estadual de Cultura do Pará e com a Secretaria Municipal de Belém para saber de ações feitas para fomentar a leitura na Vila da Barca, mas até a publicação deste texto não teve resposta.
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