“Minha vida mudou completamente. Toda vez que olho para o motor, lembro o que aconteceu. Cada uma que sofre o acidente sinto a dor também”, diz a dona de casa Regina Formigosa, 48 anos, que teve o couro cabeludo arrancado pelo motor de um barco quando tinha 22 anos. O escalpelamento ocorre quando o cabelo fica preso e enrolado no eixo do motor da embarcação — o escalpo é puxado brutalmente e causa marcas físicas e emocionais nas vítimas.
No norte do Brasil, esse tipo de trauma é mais comum porque o transporte fluvial faz parte do dia a dia de boa parte da população. Os acidentes acontecem, geralmente, em pequenas embarcações construídas de modo artesanal por ribeirinhos. Mulheres e meninas de cabelos longos são as pessoas mais atingidas.
A Secretaria de Saúde do Pará diz que em 2020 foram registrados oito acidentes no estado. Em 2021, até o momento, ocorreram 12 casos. Sem mortes.
Assistência social — Para contornar o problema e estimular a autoestima das vítimas, nasceu a Organização dos Ribeirinhos Vítimas de Acidente de Motor (Orvam), uma instituição não-governamental e sem fins lucrativos que oferece assistência social, doações de perucas e alimentos.
O trauma deixa sequelas e mutilações no rosto, nas orelhas e nas pálpebras, sem falar nas idas e vindas do tratamento realizado na rede pública de saúde do estado. Muitas pessoas passam por cirurgias para reconstrução facial e, em casos mais graves, morrem.
A Orvam faz campanha em suas redes sociais para mobilizar a sociedade a colaborar com suas ações, principalmente, na doação de cabelos — que teve queda durante a pandemia. Uma das voluntárias no projeto é justamente a Regina, apresentada no início deste texto. Nascida em Muaná, na ilha do Marajó (PA), há 11 anos ela faz perucas para vítimas. “Aqui é pós-acidente. Uma mulher dá força para outra, uma convida a outra para vir e resgatar a autoestima. Gosto das oficinas e dos eventos que são feitos. Temos uma vida diferente, porém com mais prazer de viver”, afirma.
“Usar um cinto, um acessório, vestir cores alegres e vibrantes servem de ferramentas para melhorar a autoestima das mulheres, dando empoderamento a elas na luta contra o preconceito e amenizando as dores de seus traumas”, diz Juliana Vásquez, consultora de imagem que já ministrou oficina de moda e beleza na Orvam.
A assistente social e presidente da ONG, Darci Lima, conta que quem vive com as sequelas enfrenta o preconceito nas ruas, no transporte público e até na hora de conseguir um trabalho. “A maioria das vítimas são ribeirinhas, então tudo é mais difícil para elas. Os acidentes são comuns em embarcações da própria família porque esse é o único meio de transporte delas. Depois do acidente, muitas relatam sofrer preconceito e discriminação”, diz. A instituição, segundo Darci, atende 160 pessoas e teve uma queda nas doações de cabelo durante a pandemia.
Prevenção e cuidados – A Capitania dos Portos da Amazônia Oriental é responsável pela fiscalização, prevenção e orientação. Ela distribui e adapta gratuitamente o equipamento de proteção no eixo do motor nos barcos. Desde 2009, o item é exigido por lei, mas muitos ainda navegam sem a peça e os riscos de acidentes são maiores. A reportagem tentou ouvir a Capitania, mas não teve retorno.
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Sou da ONG amigos voluntários do Pará AVP
Nos somos uma das que faz campanha de arrecadação de cabelos na pandemia não parou doação aqui na ONG chegou muita doação foi entregue na orvam
Parabéns a todos e todas que trabalham para o bem estar dessas pessoas que foram mutiladas!