Telas de celulares mediaram o aprendizado dos estudantes durante a suspensão de aulas presenciais em razão da pandemia da Covid-19. A volta à “normalidade” não foi possível mesmo com o gradual retorno às salas de aula. Abraços não são permitidos, máscara faz parte do uniforme, álcool em gel se torna mais um material escolar e o distanciamento é regra.
ESTUDANTES EM SÃO PAULO Rede estadual 3,5 milhões de estudantes 2 milhões no Ensino Fundamental 1,5 milhão do Ensino Médio Rede municipal 1 milhão
Cronologia do retorno — As crianças e jovens estudantes de São Paulo tiveram a possibilidade de retornar ao ambiente escolar após quase um ano de aprendizagem remota. Em fevereiro de 2020, o Governo do Estado de São Paulo liberou a abertura de escolas para o início do ano letivo. Em abril, 35% dos alunos poderiam estar presentes nas unidades.
Já em agosto de 2021, a Prefeitura de São Paulo permitiu que todos os estudantes voltassem às escolas por meio de um sistema de rodízio. Dois meses depois, o governo anuncia o retorno obrigatório de 100% dos estudantes às aulas presenciais, dessa forma não há mais a opção de ficar apenas no ensino remoto. A medida passou a valer no dia 18 de outubro.
Segundo levantamento realizado pela Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas e Sociedade, publicado em junho deste ano, a entidade indicou necessidade de melhorias nos protocolos de estados e municípios com a volta às aulas presenciais. Os pesquisadores criaram o Índice de Segurança do Retorno às Aulas Presenciais (Israp), que leva em consideração itens como distanciamento, higienização, máscara, ventilação e testagem. O estado de São Paulo recebeu a nota 46, ficando abaixo da média na escala que chega a 100.
Nesse cenário, os profissionais da educação tiveram mais uma vez de adaptar atividades para evitar riscos de contaminação. Para entender como se deu esse retorno, a reportagem falou com três professoras que atuam no ensino público de São Paulo: Joice Aziza leciona História para alunos do 9º ano de uma escola estadual na cidade de Caieiras; Juciele Nobre é pedagoga e diretora de uma escola municipal de Educação Infantil na zona sul de São Paulo; Caetana Souza* dá aulas em uma escola pública municipal para alunos do Ensino Fundamental 2.
Adaptação e incertezas — “Retornar foi um processo novo, de adaptação e de muitas incertezas”, afirma Joice. “Eu mesma, antes da pandemia nutria o hábito de receber os alunos no portão, desejando bom dia e abraçando-os. Não fazer isso me deixou sem rumo”, diz.
Além do cuidado com o distanciamento, há outros protocolos recomendados pelo poder público. Entre as regras, está o uso de máscara, a higienização frequente das mãos, a medição de temperatura e os ambientes arejados.
As três professoras relatam que suas escolas buscam cumprir as determinações, no entanto, há dificuldades. Caetana afirma que o governo diminuiu o número de funcionários da limpeza, o que dificulta o cumprimento das medidas. “Isso tudo, associado à cultura do descaso com o uso de máscara fora da escola e a falta de vacinação da primeira e segunda dose, amplia o perigo.”
Joice conta que sua escola oferece uma boa quantidade de álcool em gel e máscaras, mas pelos relatos que escuta, entende que a situação é exceção.
Mesmo com os esforços dos educadores e demais profissionais para manter um ambiente seguro, há instituições em que as aulas presenciais foram suspensas devido a casos suspeitos e confirmados de covid-19, procedimento que está definido nos protocolos de volta às aulas presenciais. Foi o que aconteceu nas unidades em que Juciele e Caetana trabalham; foi em junho e outubro, respectivamente. O medo ainda é um sentimento presente.
“Quando a gente pensa no retorno, a gente tem sempre medo, e isso é natural e saudável porque existe o risco de doença e de morte”
Segundo determinação do governo estadual paulista, a partir de 3 de novembro não precisa mais nem fazer distanciamento de um metro nem revezar estudantes — todos os alunos tem de ir à escola de modo simultâneo. As únicas exceções são para quem está em grupo de risco e não completou a vacinação.
Olhos que sabem sorrir — A Emei dirigida por Juciele atende 560 crianças com 4 e 5 anos. Enquanto os adultos são mais resistentes às mudanças, “para criança é sempre tudo novo e muito lúdico”, relata a diretora. Um exemplo disso é a fila organizada na escola: cada aluno ou aluna deveria ficar em um espaço demarcado por bolinhas coloridas desenhadas no chão. “Muito engraçado que as crianças brincavam com isso, com a posição na fila, apontando para o coleguinha a demarcação no chão, a bolinha”, comenta.
Uma das turmas faz yoga e a professora sugeriu a brincadeira de sorrir com os olhos para o colega ao lado. “Essa ideia de rir com o olhar é aquilo da gente readaptar inclusive o acolhimento, a afetividade, o carinho que a gente transmitia com o abraço”, conta Juciele.
Essa ideia de rir com o olhar é aquilo da gente readaptar inclusive o acolhimento, a afetividade, o carinho que a gente transmitia com o abraço
O retorno às aulas presenciais também rende momentos cômicos, como o que ocorreu com a professora Caetana. Ela lembra dos colegas felizes pela chegada de giz colorido e da educadora que tirou a máscara para beber água e ouviu de uma aluna: “professora, a senhora tem boca”.
No caso de Joice, por outro lado, o que marcou foi a baixa frequência das meninas. “Das que conversei, muita se sentiam inseguras, outras aproveitavam que era opcional e ficavam com seus irmãos, e outras aproveitaram para arrumar um emprego ou até se ocupar com os afazeres domésticos”, diz a educadora. Depois de dois meses de retorno, o número de meninas aumentou, mas elas ainda são minoria.
Obstáculos do aprendizado — Da passagem das aulas remotas às presenciais, Caetana não verificou mudanças na postura dos alunos. Aqueles mais dedicados continuaram assim e os que não tinham rotina de estudos permaneceram da mesma forma. A diferença mais significativa foi o surgimento de obstáculos na aprendizagem. “As famílias estão mais pobres, alguns estudantes estão órfãos, outros os pais se separaram, outros perderam a casa, estão morando com parentes e tudo isso também contribuiu para o desafio de estudar”, conta.
“Temos estudantes sem nenhum contato com a escola devido a um quadro amplo de vulnerabilidades” ressalta Caetana. Entre essas vulnerabilidades está o acesso à internet e aos equipamentos eletrônicos necessários para a realização de aulas remotas, que ainda acontecem no contexto do ensino híbrido.
Joice explica que, na unidade escolar em que leciona, há poucos alunos nessa situação. Entre os que estão, há a opção de retirar as atividades impressas na escola. Além disso, alguns estudantes receberam chips com internet oferecidos pela Secretaria de Educação. Houve também casos de solidariedade entre educadores e estudantes. “Soube de relatos de professores que doaram seus aparelhos, fora de uso, para determinados alunos”, conta a profissional.
Juciele, que atua na educação infantil, percebeu que as crianças menores viveram outros tipos de aprendizado no isolamento. “Não acredito de verdade que houve uma perda no desenvolvimento, não acredito nisso de forma alguma, justamente por essa plasticidade do desenvolvimento em que a criança capta tudo o tempo todo”, explica.
De acordo com resolução do Governo Federal, há possibilidade de reprogramação dos calendários escolares de 2021 e 2022. A educação infantil ficou desobrigada do mínimo de dias de trabalho educacional e carga horária. Os ensinos fundamental e médio não precisam cumprir o mínimo de dias, mas a carga horária tem de ser de pelo menos 800 horas anuais.
Como está para as mães? — Não foram só os professores e alunos que enfrentaram preocupações com a volta ao ambiente escolar, as famílias também. “Elas tinham preocupações principalmente sobre como seria o período na sala, se os espaços estavam adequados”, conta Juciele. O caminho foi explicar adaptações e cuidados adotados. Quando veio a suspensão por casos de coronavírus, e o receio dos pais se mostrou mais uma vez. “Claro que não existe 100% de segurança em nenhum contexto”, diz a professora. “Por outro lado, a escola se esmerou em tentar seguir estritamente cada um dos protocolos de forma muito cuidadosa. Os profissionais se empenharam muito”.
Em outro ponto, o retorno também significou algo positivo aos pais, como para aqueles que trabalham fora de casa. “Com os alunos na escola, basicamente podem retornar a vida quase de antes”, indica Joice. E como mãe, a diretora Juciele não deixou de pensar nas mães dos alunos da sua escola. “Tenho uma bebê de dois anos, não tenho família próxima, e o tempo todo eu fazia essa comparação ‘nossa, como será que está para as outras mães? Como será que essas mães estão conseguindo se virar?”, lembra. “Por isso, a nossa preocupação é tentar manter a escola o mais pronta possível para receber as famílias”, emenda.
Questionada, a Secretaria Municipal não respondeu até a publicação da reportagem. Por meio de nota, a Secretaria de Estado da Educação de SP (Seduc-SP) informou que, para a volta às aulas presenciais, foram disponibilizados às escolas R$ 50 milhões, entre 2020 e 2021, no Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE Paulista – Covid), de modo que as escolas pudessem comprar materiais de higiene e adaptar os banheiros. A pasta ainda ressalta que distribuiu 12 milhões de máscaras de tecido, 300 mil protetores faciais de acrílico, 10.168 termômetros a laser, 10 mil totens de álcool em gel, 221 mil litros de sabonete líquido, 78 milhões de copos descartáveis, 112 mil litros de álcool em gel e 100 milhões de unidades de papel toalha. Ainda de acordo com a Seduc-SP, a obrigatoriedade do retorno às aulas é embasada em orientações do próprio Comitê Científico de Saúde do Estado de São Paulo.
*O nome foi modificado para preservar a fonte
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